Internacional
Da Turquia com amor: primeiras impressões sobre o jazz em Portugal
Natural da Turquia, Eray Aytimur é uma jornalista que se encontra a viver em Lisboa. Membro da Jazz Journalists Association, colabora com o jornal Hürriyet, com a revista Milliyet Sanat e com o site Jazz Dergisi. Eray Aytimur mudou-se recentemente para a capital portuguesa e rapidamente se ambientou à cena jazz local, sendo presença assídua nos concertos e festivais de jazz. Convidámo-la a contar-nos o seu processo de descoberta do jazz português.
Olá, eu chamo-me Eray Aytimur. Vim da Turquia, estou “baseada em Lisboa” e sou uma jornalista de jazz, podcaster e produtora... e já trabalhei como apresentadora de TV, manager de editora e de artistas, promotora, tradutora de livros de música, etc. Ou seja, tenho trabalhado no mundo da música há 22 anos. Acima de tudo, sou uma entusiasta de jazz. As apresentações são sempre estranhas sem um contacto presencial, mas para esta estreia na jazz.pt esta introdução é inevitável, porque provavelmente nunca ouviram falar de mim antes. Não se preocupem, espero que tenhamos uma longa e divertida jornada de jazz juntos. Vamos começar agora.
Tenho a honra de colaborar com a jazz.pt e estou grata por esta oportunidade, uma vez que vai ser a minha primeira atividade jornalística em Portugal. O Nuno Catarino tem-me encorajando há já algum tempo e quando o editor é também um amigo, a vida de jornalista torna-se mais fácil, porque os temas fluem espontaneamente. Para este primeiro artigo vou tentar resumir a minha descoberta da cena jazz em Portugal. Meu Deus! Um ótimo tema com enorme conteúdo! Na verdade, já tinha recebido um pedido parecido no início da pandemia, mas na altura ainda não estava confiante para o fazer; entretanto tive a oportunidade de aprender mais sobre a cena jazz.
A minha primeira visita a Portugal aconteceu em agosto de 2016, com o propósito de fazer turismo. Na verdade, a origem desta viagem esteva ligada, ainda que indiretamente, com o jazz. Em 2013 a situação política na Turquia mudou drasticamente, assim como o ambiente económico e social. O jornal para o qual escrevia há vários anos fechou, o meu programa de TV “Musiclover” (sim, estritamente sobre música) acabou, muitos concertos foram cancelados sem justificação, o conservadorismo da “Nova Turquia” islâmica de Tayyip Erdogan lutava incansavelmente contra as artes, a cultura e tudo relacionado com a modernidade e o progresso. Como milhares de outros colegas e amigos, fiquei desempregada e comecei a trabalhar numa empresa de automóveis, o que fez com que começasse a visitar com frequência a fábrica da General Motors em Saragoça. Numa dessas vezes, decidi apanhar o comboio noturno de Madrid para Lisboa e a minha vida nunca mais foi a mesma. Vim para Lisboa com algumas informações básicas: a história política, Salazar e a Revolução dos Cravos, Pessoa, Saramago, futebol, sobretudo Quaresma e Pepe, Ronaldo, fado, Amália, Alfama, Madredeus, Wim Wenders, vinho do Porto… E adivinhem quis eram as outras duas outras coisas que eu conhecia sobre Portugal... O Hot Clube de Portugal e a Orquestra Jazz de Matosinhos! Numa noite fui ao Hot e estava a tocar o André Matos. Por isso guardo o nome dele como um marco na minha história. Fiquei hipnotizada pela clareza da sua música, o ambiente do clube, o profundo conhecimento e hospitalidade de Luís Hilário, o trevo de quatro folhas da Eeva... e assim por diante. A minha primeira visita a Portugal foi maravilhosa e quando voltei à Turquia o foco da minha vida foi voltar a Portugal logo que possível. Toda a gente assumiu que eu me tinha apaixonado por um homem português - adorava, mas não. Apaixonei-me por toda a gente daqui, pelo próprio país, pela empatia e simpatia das pessoas, pelo clima, pelo rio, pelos cheiros, pelas pedras da calçada escorregadias, pela comida, pelas árvores, pelo vinho verde, tinto, branco, rosé, e por todas as cores da vida daqui. Organizei a minha segunda visita em fevereiro de 2017 e vim experimentar o inverno em Portugal. E novamente com boas lembranças, a minha terceira viagem foi em abril de 2017. E, depois, em setembro de 2017. Foi anunciada a realização da European Jazz Conference (EJC) em Lisboa, em setembro de 2018, e a “História do Jazz Europeu” do meu querido amigo Francesco Martinelli ia ser lançada na conferência, um momento inacreditável para mim! Aproveitar o melhor dos dois mundos! Honestamente, a vinda a essa conferência foi uma das minhas melhores decisões de todos os tempos. Até à conferência, eu já era fã do sobredotado André Fernandes, grande guitarrista, compositor fantástico e um mago do som. E estou super-orgulhosa de considerar aquele “badass” como o meu primeiro amigo genuíno em Portugal. Isto é muito importante para mim. Quando um músico, além de tecnicamente competente, tem uma boa “vibe”, para mim é um tesouro. E este país está cheio de tesouros na cena jazzística. Aliás, gosto mais dos músicos de jazz portugueses do que dos turcos.
Voltando à conferência de 2018, fiquei fascinada por quase todos os showcases, mas alguns foram inesquecíveis, como Maria João, João Paulo Esteves da Silva, João Mortágua, Beatriz Nunes, Mário Franco, Pedro Melo Alves, Mané Fernandes, Gileno Santana, Rui Teixeira, Susana Santos Silva, os grandes TGB de Sérgio Carolino, Mário Delgado e Alexandre Frazão, Rodrigo Amado, Hernâni Faustino e claro aqueles magníficos meninos Bode Wilson: João Pedro Brandão, Demian Cabaud e Marcos Cavaleiro. Estou grata ao Massimo Cavalli por ter considerado o meu feedback dos concertos e showcases. Por ter partilhado posts e storys no meu Instagram, o João Mortágua ficou com um grande clube de fãs na Turquia, e alguns músicos de jazz turcos querem tocar com ele em projetos futuros, veremos...
Gostava de deixar aqui algumas palavras especificamente sobre o Brandão, porque nunca tinha conhecido um músico como ele. Por um lado, ele compõe e toca música fabulosa, mas ao mesmo tempo ele lida com todas as outras tarefas do negócio com extrema competência. Posso estar enganada, mas da minha experiência tenho a dizer que o funcionamento organizacional é melhor trabalhado no Porto, e o trabalho do Brandão através do Porta-Jazz é extremamente importante. A sua abordagem idealista está a conseguir recuperar a minha esperança perdida na humanidade. Com um pequeno grupo de pessoas incríveis, eles estão a fazer maravilhas.
Ainda por falar no Porto, já antes de me mudar para Portugal já tinha a ideia de que a Orquestra Jazz de Matosinhos era a melhor orquestra jazz do nosso planeta solitário. Aquele grupo com músicos como João Guimarães, José Pedro Coelho e João Grilo é invejável. Para mim, outro craque soberbo, mas por algum motivo subestimado, é o Hugo Carvalhais. Gosto do Miguel Ângelo e do Carlos Azevedo, tanto musicalmente como pessoalmente, eles não são apenas enérgicos, são também bem-humorados. O Ricardo Formoso é um excelente trompetista. Considero o André B. Silva como um compositor e arranjador único.
Apesar de o meu gosto musical estar maioritariamente ligado a metais e palhetas, gosto de explorar outras orientações e é sempre um prazer ouvir o toque expressivo e vívido do Luís Figueiredo. O Ricardo Pinheiro impressiona como guitarrista que atravessa géneros. O Desidério Lazaro será aquele músico que provavelmente terá a entoação mais brilhante e estável. E também o João Pedro Coelho com sua técnica ágil. Existem alguns jovens prodígios, como Tomás Marques, Eduardo Cardinho, João Lopes Pereira, brilhando tanto técnica quanto artisticamente. Com a sua aura cintilante e capacidades musicais refinadas, eles nasceram para estar no palco. Posso acrescentar Diogo Alexandre e Ricardo Toscano à lista, estão a fazer um excelente trabalho com todo o empenho e dedicação. Por falar em carisma de palco, o lendário Mário Laginha é absolutamente o número um, mas o Nélson Cascais não será menos, com seus pizzicatos suaves e composições líricas. Não se limitando à criatividade artística e ao trabalho árduo, mas também na qualidade de maestro, o César Cardoso tem traços distintivos. Os seus companheiros de banda Óscar Graça e Jeffery Davis estão muito bem também. Infelizmente ninguém sabe, mas a primeira banda portuguesa que tentei agendar para a Turquia foi o grupo LiftOff, mas foi cancelado devido à pandemia; talvez consigamos realizar no futuro, vamos ver.
Para se ter alegria e felicidade na vida, as atuações da Big Band da Nazaré, conduzidas pelo super-simpático Adelino Mota, são uma ótima opção. E para quem acredita na mudança através da música, deve seguir a Orquestra Geração do Eduardo Lála, o “El Sistema” português. A propósito, o Lisbon Underground Music Ensemble (LUME), a big band reconhecida internacionalmente, também está muito bem.
Antes do meu “grand finale” com as magníficas senhoras do jazz em Portugal, gostaria de agradecer ao grande baterista Michael Lauren ser um irmão para mim durante as dificuldades do meu período de mudança - novamente, quando um bom músico tem uma boa alma, estou no paraíso. Entretanto o novo álbum de Michael está a chegar, fiquem atentos! Está na altura de saudar o Milton Sampaio, porque foi ele que me pôs em contacto com o Michael. Não só com o Michael, mas com todo o pessoal do Palco Improvisado, ao sentir o meu entusiasmo a quilómetros de distância.
Por último, mas não menos importante, gostaria de me desculpar antecipadamente pelos nomes ausentes, mas humildemente, o maior aplauso do meu coração vai para essas mulheres lindas e duronas por partilharem a pura beleza neste mundo patriarcal, agressivo e machista que é a indústria do jazz e da música: Maria João, Paula Sousa, Rita Maria, Beatriz Nunes, Susana Santos Silva, Marta Hugon, Joana Machado, Mariana Norton, Leonor Arnaut, Clara Lacerda, Sara Badalo, Isabel Rato, Joana Alegre, Marta Garrett, Luísa Gonçalves, Ana Bacalhau, Selma Uamusse e a maravilhosa Sara Serpa... Sim, a Sara é uma musa inspiradora, com a sua música e de todas as maneiras. Por último, mas não menos importante, gostaria de agradecer ao José Dias por me ter dado oportunidade de contribuir para o livro “Women and Jazz: European Perspectives”, para compartilhar a minha experiência no âmbito das mulheres no jornalismo e promoção do jazz na Europa. Acho que teremos tempo para falar sobre isso em breve, estou muito entusiasmada!
Aqui os músicos jazz são incríveis. Clean Feed, Nischo e Porta-Jazz são editoras inovadoras. Existem muitos festivais incríveis em diferentes tipos de jazz. Festa do Jazz, Porta-Jazz, Jazz em Agosto, etc… Acho que fica a falta apenas mais energia colaborativa, para converter todos estes ativos numa sólida "indústria do jazz".
Desculpem o artigo já ir longo, mas se me aguentaram até ao fim, obrigado pelo vosso tempo. Estou extremamente feliz por fazer de Portugal a minha casa e por partilhar a minha vida com a encantadora cena jazz deste país.