Cécile Cappozzo
Os discos favoritos de Cécile Cappozzo
A pianista Cécile Cappozzo é um dos novos rostos da cena musical francesa. Com um disco acabado de editar ao leme do seu quinteto, “Hymne d’Automne” (Ayler Records), Cappozzo começa a afirmar-se definitivamente na cena internacional. A pianista esteve à conversa com o crítico francês David Cristol (colaborador das revistas Jazz Magazine e Citizen Jazz), partilhando os discos da sua vida. Aqui estão eles.
A pianista francesa Cécile Cappozzo começou por descobrir a música na companhia do seu pai, o trompetista e improvisador Jean-Luc Cappozzo, foi depois vasculhando a coleção dele por conta própria e, mais tarde, explorou as secções de jazz de várias lojas de discos e bibliotecas. A sua mãe ensinava educação musical e Cécile começou a ler música antes de ler livros. Após passagens pelo Conservatório de Saint-Étienne e pela Faculdade de Musicologia de Tours, Cécile Cappozzo teve masterclasses com músicos como Mal Waldron, Charles Gayle, Joëlle Léandre, Sophia Domancich, René Lussier e Olivier Benoît, entre outros. Desenvolveu a sua cultura musical também quando trabalhou na loja de discos Harmonia Mundi, na cidade de Tours. Comprometeu-se a ouvir todos os discos na íntegra, e a ler todos os booklets e capas, começando pela letra A e avançando em ordem alfabética, em todos os géneros musicais existentes na loja: jazz, música antiga, barroca, contemporânea, world music e música infantil. Mudou-se depois para a Andaluzia, tornando-se bailarina, coreógrafa e professora de flamenco. Cécile encontra o seu equilíbrio entre estas atividades, dançar flamenco e tocar jazz livre. Com um grande empenho físico em ambos os casos, que gosta de mencionar. Em 2018 Cécile Cappozzo publicou através da editora Ayler Records o disco “Sub Rosa”, gravado em trio com Patrice Grente no contrabaixo e Etienne Ziemniak na bateria. Já este ano, e pela mesma editora, editou “Hymne d’Automne”, transformando o trio em quinteto, com o acrescento de Jean-Luc Cappozzo (trompete) e Guillaume Bellanger (saxofone). Neste novo disco, entre as com suas composições originais, está uma homenagem a Carla Bley. Estes são os discos que mais a marcaram.
Mal Waldron & Jeanne Lee
“After Hours”
(Owl Records, 1994)
Se tivesse de escolher apenas um disco para a ilha deserta, seria este, não sei porquê, é inexplicável. Tem uma grande espiritualidade.
Bill Evans
“Conversations with Myself”
(Verve, 1963)
O meu pai deu-me este disco quando eu tinha treze anos de idade, descobri aqui o efeito de duas gravações, em re-recording. A primeira peça, “Love theme from Spartacus” é ainda hoje um dos temas que mais gosto de ouvir, nunca tive vontade de o estudar porque esta versão permanece num canto da minha cabeça. Que romântico! O efeito das duas vozes é muito comovente.
Carmen Amaya
“Grandes Figures du flamenco”
(Le Chant du Monde, 1988)
Com Sabicas na guitarra. Tinha dezanove anos quando descobri este disco, foi um verdadeiro choque! Disse a mim própria «gostaria de ver isto na vida real». Na altura não sabia que iria viver na Andaluzia alguns anos mais tarde, e esta cultura agora faz parte da minha vida quotidiana.
Steve Lacy & Gil Evans
“Paris Blues”
(Owl Records, 1988)
Um disco indispensável, pela abertura e inteligência harmónica de Gil Evans e a sensibilidade, técnica e força de Steve Lacy, tão cativante!
Charlie Haden
“Liberation Music Orchestra”
(Impulse!, 1970)
Foi com o meu pai que ouvi este disco pela primeira vez, devia ter doze anos de idade, fui marcada pelo som do contrabaixo e pelo solo de guitarra que identifiquei como sendo uma guitarra “espanhola”! Mais tarde, este registo representaria para mim o equilíbrio ao qual estou a tentar chegar, entre liberdade e melodias, com esta influência hispânica (mesmo que estes sejam temas latino-americanos). O facto de o repertório se basear em canções ativistas e revolucionárias cria uma dimensão universal que me toca muito. As peças são inspiradas pelas canções espanholas da guerra civil, “Song for Che” foi dedicada aos movimentos de libertação, “We Shall Overcome” marcou os protestos contra a guerra do Vietname e foi cantada durante as manifestações. Ao ouvir estes temas, que tanto são populares como portadores de uma mensagem de liberdade e direitos humanos, sinto que os belos arranjos musicais e improvisações são ainda mais poderosos.
Paul Bley
“Homage to Carla Bley”
(Owl Records, 1992)
Adoro este tipo de harmonização. A peça “Olhos de Gato“ encarna a profundidade que me move, a ressonância dos harmónicos misturada com um ataque direto, o lirismo ao lado da dissonância, é magnífica.
Keith Jarrett
“The Köln Concert”
(ECM, 1975)
O canto interior e a tranquilidade que habita os silêncios, a pulsação interior, o fio que não solta, a independência das mãos, a harmonização que era um pouco “pop”, uma novidade para os meus ouvidos quando a ouvi pela primeira vez, devia ter quinze anos de idade... Este disco levou-me mais tarde a ouvir os discos do trio de Jarrett, que muito apreciei.
Louis Sclavis
“L’affrontement des Prétendants”
(ECM, 2001)
Não sei quantas vezes ouvi o refrão do meu pai na faixa-título deste disco, para mim é um dos seus mais belos solos gravados!
Thelonious Monk
“Alone in San Francisco”
(Riverside, 1960)
Um monumento! Será certamente o pianista que mais tenho ouvido, juntamente com Mal Waldron. Adoro o passo ligeiramente gradativo, que liberdade segura e rítmica ao mesmo tempo! Um génio a tocar, escrever, improvisar, que sabe fazer um grande som com poucas notas... Quando descobri os vídeos onde o vemos a dançar, a girar o piano, não me surpreendeu nada! Gosto da ideia de poder ouvir o corpo a dançar...
Manolo Sanlúcar
“Tauromagia”
(Polydor, 1988)
Para mim “Oración” (a rondeña é uma forma de flamenco originário de Ronda, na região de Málaga) é uma das mais belas composições de flamenco, para não dizer a mais bela, muito profunda. E, além disso, sou muito sensível aos arpejos flamencos em geral, é a isso que eu chamo “renda”.
Ran Blake & Jeanne Lee
“The Newest Sound Around”
(RCA Victor, 1962)
“Laura”: os acordes com as notas conjuntas, que maravilha, sob o tema cantado magicamente por Jeanne Lee, com notas “picantes” que evitam sempre o efeito “marshmallow”. Que fusão entre os dois artistas... Sinto uma parte de mistério na peça de Blake, um eco de outro mundo, muito calmo, com curvas, redemoinhos, areias movediças, lagos, riachos... Vejo-o como um “pianista da paisagem” íntimo. A sua forma de tocar mistura-se perfeitamente com a voz pura e quente de Jeanne Lee, sem embelezamento. Este registo toca-me muito.
Art Tatum
“The Art Tatum Solo Masterpieces”
(Pablo 1975 – gravações de 1953-54-55)
Art Tatum
“Presenting… The Art Tatum Trio”
(Verve, 1957)
Tinha dezasseis anos quando comprei o meu primeiro vinil de Art Tatum a solo, recomendado por um fã de jazz de Saint-Étienne, durante os meus anos de liceu, e que descoberta foi! Ainda não compreendo como é que é possível tal virtuosismo combinado com swing. O seu trio com Red Callender e Jo Jones também é notável.
John Coltrane Quartet
“Live in Comblain la Tours 1965”
(Landscape Records, 1992 – não oficial)
Impossível esquecer Mc Coy Tyner! Transcendente! Quando tinha dezanove anos adorei ouvir o acompanhamento de Tyner, com os seus acordes abertos que amplificam a cor “mística” desta música. Adoro aquela mão esquerda que entra firmemente no teclado. Sem mencionar o desenvolvimento dos solos... Ouvi-o menos vezes que os outros (Waldron, Blake, Dollar Brand), mas com muito cuidado de cada vez... Influenciou-me inegavelmente, com Garrisson ancorado e Elvin Jones a brilhar. Quando Coltrane regressa depois do solo de McCoy, sinto-me como se andasse num elevador que continua a subir ao céu... mas, ao mesmo tempo, mantendo sempre os pés no chão...
Discografia :
Cécile Cappozzo Quintet: “Hymne d’Automne” (Ayler Records, 2022)
Cécile Cappozzo Trio: “Sub Rosa” (Ayler Records, 2018)
Cécile Cappozzo & Jean-Luc Cappozzo: “Soul Eyes” (FOU Records, 2016)