John Hollenbeck, 6 de Abril de 2013

Força positiva

texto António Branco

Sendo um dos nomes mais prolíficos e imprevisíveis do jazz que hoje se pratica, John Hollenbeck divide a sua atividade pelas vertentes de baterista, compositor, arranjador, docente e, também, a de pensador.

Em qualquer dos projetos em que está envolvido, o jazz não é mais do que um dos elementos presentes, indo o seu eclético universo criativo muito mais além. Os seus interesses estendem-se igualmente à tradição clássica europeia e à música latino-americana. O seu trabalho é simultaneamente complexo, dinâmico e vibrante, incorporando “inputs” de proveniência distinta, num todo coerente e estimulante.

Nascido em Binghamton (no estado de Nova Iorque), em 1968, emergiu definitivamente no final de 2001, quando lançou nada mais, nada menos do que quatro discos muito diferentes (três deles na companhia do iconoclasta vocalista/pianista Theo Bleckmann). Desde logo se percebeu claramente que estávamos perante uma força criativa de dimensões pouco habituais, que não mais parou de nos surpreender.

Os lados mais visíveis do seu trabalho são os que desenvolve com o Claudia Quintet e com o seu Large Ensemble (“A Blessing”, de 2006, e “Eternal Interlude”, de 2009, são superlativos).

Ao longo do seu percurso tem composto diversas obras por encomenda e colaborado com músicos de primeiro plano, como o lendário trombonista, compositor e pedagogo Bob Brookmeyer (que desempenhou um papel decisivo no desenrolar da sua carreira), mas também Fred Hersch, Tony Malaby, Kenny Wheeler, David Krakauer, Meredith Monk, entre uma infinidade de outros.

O seu disco mais recente tem o sintomático título “Songs I Like a Lot”. Motivos de sobra para uma conversa com o homem que afirma gostar «bastante de toda essa música, mas não o suficiente para fazer alguma delas em exclusividade – o meu coração está algures no meio, nas frestas».

O mistério de não saber

Considera-se um músico de jazz ou esta é uma definição demasiado estreita para o trabalho que desenvolve? Qual é a sua própria definição de jazz?

Oh... esta é difícil! Depende da definição de jazz. Se jazz é música que olha para a frente, à procura de algo intangível… então sim,  adoro chamar-me a mim próprio um músico de jazz. Foi por isto que me deixei atrair pelo jazz e pela música baseada no jazz, por causa do mistério de não saber realmente o que vai acontecer. Foi por causa deste sentimento que os "grandes" estiveram contínua e naturalmente à procura de algo que nunca tinham ouvido. 

Recorda-se de quando, e em que circunstâncias, se deixou envolver pelo jazz? Quais foram os primeiros músicos de jazz que ouviu?

O meu irmão Pat é fortemente responsável por me tornar interessado, os meus pais por apoiarem esse interesse e os meus professores por me ajudarem ao longo do percurso. O meu irmão mostrava-me discos de Art Blakey, Aaron Copland, The Brecker Brothers, Ricki Lee Jones, Miles Davis, Chick Corea quando eu estava a começar a ficar interessado em música, por volta dos dez anos.

Também vi o meu irmão tocar bastante e isso pareceu-me mágico. Um aspeto interessante sobre este processo é que Slam Stewart vivia no meu bairro. Não tinha ideia de quem ele era até mais tarde, quando tocava todos os anos na nossa escola.

Considera-se diretamente influenciado pela tradição do jazz ou é só uma nuvem de referência?

O jazz é como uma grande avó que abarca muitas tradições diferentes, e eu sempre achei isso também. Gosto de muita música, como a maior parte das pessoas da minha geração e das posteriores. O jazz é a mais importante e a mais influente.

Parece ser influenciado por antigos textos místicos, tais como “The Cloud of Unknowing”, escrito, tanto quanto sabemos, por um monge inglês na segunda metade do século XIV...

Sim, essa foi uma encomenda de alguém que queria que tivesse as palavras de uma missa tradicional, “Dona Nobis Pacem”. De facto, penso que ele quis que esse fosse o título da peça. Combinei isso com algo que fosse pleno de significado para mim – um cântico em Sânscrito, “Om Namah Shivaya”.

Estive em tempos envolvido nos cânticos dessa mantra durante cinco dias seguidos, por isso está dentro de mim. Peças como esta são aspirações e também uma forma de espalhar a palavra acerca de certos textos, neste caso um livro chamado “The Cloud of Unknowing”. Aprendi muito ao escrevê-la.

O poder curativo da música

… e está também interessado em textos Sufi, com o exemplo do de Hazrat Inayat Khan, que incluiu na sua composição “The Music of Life”, de “A Blessing”, o seu disco de 2005 com o Large Ensemble…

Sim, esse texto sobre os poderes curativos da música é a minha forma favorita de terminar um concerto do meu Large Ensemble. Não sei de onde essa peça surgiu, sinto que parece que até já estava escrita e eu só a pus no papel. É uma peça muito simples mas muito equilibrada…. Muito bem proporcionada.

Os discos que fez com o seu Large Ensemble (o já mencionado “A Blessing” e “Eternal Interlude”, de 2009) são ambos muito espirituais. Algumas das suas composições soam quase como catedrais de som... Considera-se um homem espiritual?

Aspiro a ser, claro. Alguns dias são melhores do que outros… Mas penso que só os ouvintes podem responder a esta questão. Quero ser uma força positiva!

Muita da sua música é incategorizável, uma mistura única de elementos de diferentes domínios musicais (jazz, música contemporânea, minimalismo, pós-rock, folk…). Assume esta abordagem eclética? A música não tem fronteiras para si?

Sim, esse é o lugar natural para mim. Sempre estive confortável em deixar as coisas surgir e não me preocupar com o estilo de música que as pessoas lhe chamassem.

De uma certa forma, muita da sua música traz-me Duke Ellington à mente (as texturas, as cores, as atmosferas), pelo menos a um nível conceptual… Estarei a delirar?

Esse é um grande elogio, só podia almejar atingir um décimo do que Ellington e Billy Strayhorn atingiram. Através de um dos meus professores, Bill Dobbins – que é um especialista em Duke – aprendi um pouco sobre os seus grandes conceitos e sobre a sua abordagem aberta. Coincidentemente, arranjei duas das suas peças, “La Plus Bella Africaine” e “The Blue Bird of Delhi” para o meu Large Ensemble no Jazz Institute de Berlim e foi muito divertido tocá-las e ensiná-las ao grupo.

Não apenas a usá-los

Tal como Ellington, também compõe pensando nos músicos  que irão tocar a sua música (tocando você também ou não)? A sua música depende da empatia pessoal, de alguma espécie de “química humana”?

Sempre tentei escrever para o grupo. Duke, entre outros, demonstrou que ajuda a música a viver e a respirar. Por exemplo, quanto ao Claudia Quintet, ao Theo Bleckmann e à Orchestre National de Jazz (ONJ), tive de conhecê-los muito bem antes de escrever para eles, e isso tornou tudo mais fácil e a música mais pessoal. Não conhecia tão bem a ONJ, por isso foi interessante ver a transformação, quando eles entenderam que eu estava a tentar escrever música para eles… e não apenas a usá-los.

Estreou diversas composições ao longo dos anos, em contextos musicais diferentes. Qual é o espaço que concede à improvisação? Qual é o seu conceito de improvisação? Em que medida se considera também um compositor em “tempo real”?

Bob Brookmeyer era muito claro quanto a isto. Nas suas palavras, não tem de haver improvisação e ela só deve surgir no momento onde pode acontecer. Muitos compositores de "jazz" apenas concedem espaço à improvisação quando chocam contra um muro composicional. O espírito da improvisação traz um elemento essencial a qualquer composição, mesmo se os intérpretes não estão tecnicamente a improvisar, e é por isso que gosto de trabalhar com “improvisadores”. 

Pensa que a composição e a improvisação são dois lados de uma mesma moeda? Como os equilibra?

Sim, são basicamente a mesma coisa, a única diferença é o tempo. A composição é essencialmente uma forma mais lenta de improvisação. A boa parte é que quando estamos a praticar uma, estamos a praticar a outra, por isso alimentam-se mutuamente.

O seu grupo Claudia Quintet já se estabeleceu como uma formação importante do jazz dos nossos dias. Ainda é uma experiência desafiante, apesar de se conhecerem todos tão bem? Ainda se deixam surpreender uns pelos outros?

Sim, é como uma qualquer relação longa. Quando se pensa que se conhece alguém ou que a relação começa a tornar-se aborrecida, então acontece uma grande surpresa. Quando começámos éramos muito mais jovens. É divertido recordar e olhar para as nossas fotografias dessa altura. Tem sido uma boa parte da minha vida e estes tipos são muito importantes para o grupo e para a música em geral. São músicos incríveis e seres humanos muito bons! 

Todos na mesma direcção

 

Apesar de tudo, qual é o contexto musical que prefere: um pequeno ensemble ou uma grande formação? Sente uma necessidade pessoal de explorar diferentes arquiteturas musicais?

Prefiro o poder de um grande grupo. Não há nada como o som de 18 pessoas todas na mesma direção… Mas adoro a flexibilidade e a intimidade de um pequeno grupo.

Tal como poucos outros músicos, parece sentir-se confortável quer em ambientes “avant-garde”, quer em contextos mais “mainstream”. Como gere isto sem perder coerência?

Tento fazer o meu melhor na música! Gosto bastante de toda essa música, mas não o suficiente para fazer alguma delas em exclusividade. O meu coração está algures no meio, nas frestas.

Conhecendo a extraordinária quantidade, diversidade e qualidade do seu trabalho, o que procura, afinal de contas, com a sua música?

Cada peça tem uma intenção diferente. Algumas são “livres” de intenção, apenas experiências… divertimento. Outras são aspirações ou formas de aprender sobre um determinado assunto ou de saber mais sobre mim próprio e tentar fazer de mim uma pessoa melhor.

Trabalhou com a Orquestra Jazz de Matosinhos (OJM) em 2007. Do que se lembra desta experiência? Foi positiva?

Foi muito divertida! Lembro-me do concerto especialmente como uma experiência divertida. Theo Bleckmann convenceu-me de que seria engraçado e divertido se eu usasse uma toalha na minha cabeça durante o concerto (como um turbante)! Foi fantástico trabalhar com a orquestra, especialmente porque consegui boas conexões com os tipos da secção rítmica.

Para além da OJM o que conhece da cena jazzística portuguesa?

Muito do meu conhecimento é através do pessoal da Clean Feed… por isso conheço alguns músicos portugueses. Não passei muito tempo em Portugal, por isso não me tem sido possível ter uma ideia sobre a cena portuguesa. 

Até canções pop 

No seu disco mais recente, “Songs I Like A Lot”, trabalhou com a excelente Frankfurt Radio Big Band e visitou canções da sua preferência num processo criativo que acaba por refletir a sua mente eclética. As versões vão desde  “Bicycle Race” dos Queen a “All My Life” de Ornette Coleman. Existe um denominador comum em todas estas canções para além do seu gosto pessoal?

Não. Tinha uma grande lista com as minhas escolhas e algumas dos vocalistas [Theo Bleckmann e Kate McGarry], estudei cada peça e fiz uma lista mais pequena dos temas passíveis de serem arranjados para este grupo.

Foi este o único critério para a escolha?

Para a maior parte o critério foi “estão certas para este projeto”. Precisava de “canções”, até mesmo de “canções pop”, e precisava de manter a “canção” presente, mas ainda sentir que podia fazer um arranjo que acrescentasse alguma coisa à canção, que a mostrasse de uma nova maneira…

Foi divertido trabalhar e arranjar para “big band” estas “canções” e trazê-las para o seu universo musical próprio? Consegue dar-lhes um novo fôlego, uma nova luz..

Obrigado, “novo fôlego” soa bem (risos)! Sim, foi muito divertido e, como disse antes, foi um grande desafio, porque eu precisava de escrever algo que funcionasse com estes músicos específicos e que mantivesse as canções, mas fizesse algo de novo com eles.

 

Para saber mais

http://johnhollenbeck.com.

 

Discografia selecionada

 

John Hollenbeck: “Songs I Like A Lot” (Sunnyside, 2013)

John Hollenbeck Large Ensemble: “Eternal Interlude” (Sunnyside, 2009)

John Hollenbeck Large Ensemble: “A Blessing” (Omnitone, 2005)

The Claudia Quintet: “What is the Beautiful” (feat. Kurt Elling & Theo Bleckmann) (Cuneiform Records, 2012)

The Claudia Quintet: “Royal Toast” (feat. Gary Versace) (Cuneiform Records, 2010)

The Claudia Quintet: “For” (Cuneiform Records, 2007)

The Claudia Quintet: “Semi-Formal” (Cuneiform Records, 2005)

The Claudia Quintet: “I, Claudia” (Cuneiform Records, 2004)

The Claudia Quintet: “The Claudia Quintet” (Blueshift, 2002)

Orchestre National de Jazz: “Shut Up and Dance” (Bee Jazz, 2010)

Refuge Trio: “Refuge Trio” (Winter & Winter, 2008)

John Hollenbeck & Jazz Big Band Graz: “Joys & Desires” (Intuition, 2006)

Jorrit Dijkstra/John Hollenbeck Duo: “Sequence” (Trytone Records, 2006)

John Hollenbeck Quartet: “Quartet Lucy” (Blueshift, 2002)

Theo Bleckmann/John Hollenbeck Duo: “Static Still” (GPE Records, 2002)

John Hollenbeck: “No Images” (Blueshift, 2001)

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