Gloria Damijan, 24 de Janeiro de 2014

Uma nova voz da Áustria

texto Paulo Chagas

Exemplo de uma improvisadora que é mais influenciada pela música clássica e contemporânea da sua formação do que pelo jazz, Gloria Damijan é um dos mais activos representantes de uma nova geração de músicos vienenses. Músicos que, para além de afirmarem um entendimento da música improvisada em desafio às práticas instaladas, têm um espírito de colectivo que se traduziu na criação da SNIM, associação de que a pianista é um dos principais responsáveis, e na organização dos seus próprios festivais e ciclos de concertos. Um deles é o Donau/Tejo, que começou já a levar nomes nacionais à capital da Áustria. Aqui está ela, para que a conheçamos melhor…

 

Como caracterizarias a cena austríaca da improvisação? Existem muitas diferenças em relação ao que é feito noutros países que conheces? E particularmente em Viena, como é?

Claro que há algumas diferenças relativamente à focalização dos parâmetros musicais. Em Viena, há uma cena de improvisação que é altamente influenciada pelas ideias da New York School, especialmente no que diz respeito às técnicas das formas abertas, assim como à inclusão de sons ambientais. Na década de 1980, compositores e improvisadores como Radu Malfatti e Franz Hautzimger tentaram distanciar-se quer do free jazz, quer dos dogmas do serialismo que dominavam a música contemporânea na Europa desde há décadas. Isso numa altura em que os protagonistas da New York School se estavam a tornar mais famosos do lado de cá do Atlântico e visitaram a Europa.

Mas também há que referir a música electroacústica e electrónica, tal como representada pela AssociaçãoV'elak  e que constituem vertentes importantes para as ideias estéticas da cena vienense de improvisação. Em comparação com outros países, a Noruega por exemplo, os improvisadores trabalham de forma semelhante, mas são ainda mais radicais relativamente à redução do material musical e ao silêncio. Paralelamente a isso, há ainda uma cena de free jazz muito semelhante à existente em Portugal.

  

O facto de viveres numa cidade como Viena exerce alguma influência na tua postura como artista?

Devido à sua posição geográfica, Viena é um caldeirão de culturas diferentes, mas ao mesmo tempo muito focado na música clássica, dada a importância desta na indústria de turismo da cidade. Se por um lado é difícil definires-te como artista experimental, por outro existem várias instituições públicas e organismos culturais ligados à administração vienense e ao governo austríaco que apoiam a música contemporânea e experimental. Em resultado disso, acaba por existir uma cena bastante profícua e sempre com imensas actividades.

Falando de uma possível influência do charme imperial e da história de Viena, não acho que isso afecte conscientemente a minha forma de improvisar. É a atmosfera e o clima de uma cidade, o que influencia a mentalidade dos seus habitantes. Esta mentalidade pode, no entanto, ser reconhecida na forma como os músicos comunicam durante as improvisações.

 

Foste um dos membros fundadores da SNIM (Spontanes Netzwerk für Improvisierte Musique). Podes falar-nos um pouco disso? O que motivou a sua criação, qual é a sua actividade regular?

A SNIM é uma rede de jovens músicos improvisadores e foi fundada, principalmente, para apoiar actividades no domínio da improvisação experimental e da música contemporânea. Mas estamos também bastante virados para a dança, para todos os demais estilos musicais e, no fundo, para todas as formas de arte. Por agora existem duas séries de concertos que organizamos anualmente: o Das Kleine Symposion no Outono e o Grenzwerte no final da Primavera. Além disso, os membros da SNIM estão envolvidos em outros concertos, organizados parcialmente por eles mesmos e por outras associações, tanto aqui como no estrangeiro. Desde há dois anos para cá, eu tenho vindo a iniciar um intercâmbio mais próximo entre as cenas da improvisação austríaca e da portuguesa, com o projecto Donau/Tejo.

Toy piano 

Como é que a música entrou na tua vida? Que diferentes fases podem ser identificadas na tua carreira musical?

Desde criança que oiço música clássica. Com 5 anos de idade os meus pais compraram-me um piano e comecei a ter aulas. Depois continuei numa escola de música e num conservatório particular, até ser admitida em exame na Universidade de Música. No segundo ano dos meus estudos de piano e pedagogia musical a professora de piano e improvisadora Manon Liu In iniciou-me num módulo de improvisação livre e música contemporânea. Isto acabaria por me oferecer a possibilidade de participar em vários cursos de improvisação e “workshops” com a própria Liu In e com Burkhard Stangl, Gunter Schneider e Franz Hautzinger, que foram integrados nos meus estudos. Depois de terminar estes cursos, decidi tornar-me mais activa como executante de música improvisada.

Entretanto, e tal como muitos pianistas, acabei por me aperceber que existem poucos locais para se tocar este tipo de música que disponham de um piano vertical e menos ainda de um piano de cauda. Assim, comecei a procurar uma solução e, através do contacto com a música de John Cage, desenvolvi a ideia de explorar as possibilidades de um piano de brinquedo ( o “toy piano”).

Actualmente, faço música improvisada usando uma placa separada de ressonância acústica, embora por vezes também amplificada através de um microfone de contacto AKG C411, quando se torna necessário para a combinação de instrumentos, ou em função das condições acústicas da sala. Estou ciente de que o “toy piano” que uso não é um instrumento com sonoridade muito intensa. Porém, os diversos aspectos musicais, as características diferentes dos sons ou os “overtones” mais intensos influenciam as minhas escolhas quando toco com amplificação.

 

Consegues combinar facilmente as tuas actividades profissionais enquanto professora de piano com a tua carreira como artista?

Tenho de fazer uma boa gestão do meu tempo. Em diversas fases preciso de encontrar soluções alternativas com os meus alunos, sobretudo quando tenho muitos concertos e não posso dar-lhes as aulas no horário habitual.

 

Sentes que existe alguma crise de criatividade, como algumas pessoas acusam os improvisadores actuais?

 Não, acho que não há uma crise de criatividade. Na minha opinião, o problema é a expectativa de se ter sempre de inventar algo "novo". Outra coisa especial em Viena é o conflito de gerações entre os que têm mais de 40 anos e os improvisadores jovens. Isso por vezes torna difícil a cooperação e a partilha entre uns e outros. Talvez a escassez de uma influência criativa da geração mais velha nos músicos mais jovens faça com que algumas pessoas associem essa circunstância a uma crise criativa. 

Crítica social

 

Tens discos editados…

Já lancei vários CDs e LPs, com projectos como o quinteto Ctrl (“25.11”) ou o trio LSD (Lercher / Schöberl / Damijan). Lançámos um CD triplo e no ano passado saiu o duplo LP "Dehypnotisation". Pretendo trabalhar em novos lançamentos no próximo Outono.

 

Que tipo de música costumas ouvir nos dias de hoje?

Todos os diferentes tipos: clássica, contemporânea, improvisação, electrónica, vanguarda, pop, e também as músicas tradicionais brasileira e africana.

 

E quais são as tuas preferências em livros, filmes, etc.?

Gosto de literatura em geral. Ficção, poesia, “short stories”. Com o cinema é semelhante, não tenho especiais preferências. Para mim, o que é importante é que a literatura e o cinema me ofereçam sempre uma nova perspectiva. Enquanto artista a minha principal inspiração é a arte contemporânea, incluindo pintura, escultura, instalacionismo e vídeo-arte.

 

A tua postura como artista inclui alguma crítica social ou não te preocupas com esse factor?

Na música livremente improvisada a produção musical é o resultado de processos dinâmicos e não-hierárquicos de grupo, conduzidos por certas ideias estéticas aceites por todos os membros desse grupo. Ir mais em detalhe faria com que esta entrevista se estendesse muito... Para os factos mencionados poderia dizer-se que a música experimental improvisada tem um carácter democrático, embora possa ser tão hierarquizada como uma cidade, um Estado ou mesmo a União Europeia (risos). Mas a verdade é que há hierarquias por todo o lado e, na música, em instituições como uma orquestra, por exemplo. Portanto, fazer música improvisada é uma forma de crítica social. Oferece ainda um postulado crítico mais específico, pelo uso de conceitos que podem incluir o trabalho com material composto e com outras formas de arte, como a vídeo-arte, a performance, instalações sonoras, etc.

 

Já estiveste várias vezes em Portugal. Conta-nos as tuas impressões sobre a experiência de tocar com músicos portugueses.

Com eles tenho tido a oportunidade de experienciar o enorme entusiasmo, a abertura e a alegria de fazer música. Experimentar essa energia positiva incentiva-me e motiva-me para continuar com as minhas actividades musicais.

 

E sobre as tuas participações no MIA, em Atouguia da Baleia, Peniche, o que acrescentas?

Gosto, sobretudo, da boa organização do encontro e da oportunidade de conhecer muitos músicos portugueses. Também é interessante conhecer no MIA músicos de vários países da Europa e da América do Sul. Sempre encontrei lá uma atmosfera muito positiva e amigável. Além disso, Atouguia da Baleia é um lugar muito bonito, onde podemos relaxar e esquecer os problemas que nos ocupam a mente no dia-a-dia. Isto torna mais fácil concentramo-nos na música e na partilha com os outros músicos.

 

O que podemos esperar de ti no futuro próximo como músico? Em que projectos estás a trabalhar e o que tens planeado?

Por agora, estou a preparar uma série de concertos em Viena, chamada Grenzwerte. Terá lugar em Junho próximo. É um pequeno festival que estou a organizar pela quinta vez e, para comemorar este jubileu, pretendo combinar música improvisada com vídeo-arte e, pela primeira vez ,também com instalações sonoras. Irei ainda iniciar alguns projectos que envolverão o público com um papel activo. Lá mais para a frente quero continuar a organizar o Donau/Tejo e tocar em mais concertos fora da Áustria.

 

Para saber mais

http://www.creativesourcesrec.com/artists/g_damijan.html

 

Discografia

Ctrl: “25.11” (Creative Sources, 2007)

Vários: “Klingt.org: 10 Jahre Bessere Farben” (Mikroton, 2009)

LSD: “Tripping” (Ein Klang, 2010)

Vários: “ONCZkekvist” (Not On Label, 2010)

LSD: “Dehypnotisation” (God Records, 2013)

Agenda

10 Junho

Imersão / Improvisação

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

O Vazio e o Octaedro

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

Marta Hugon & Luís Figueiredo / Joana Amendoeira “Fado & Jazz”

Fama d'Alfama - Lisboa

10 Junho

Maria do Mar, Hernâni Faustino e João Morales “Três Vontades de Viver”

Feira do Livro de Lisboa - Lisboa

10 Junho

George Esteves e Kirill Bubyakin

Cascais Jazz Club - Cascais

10 Junho

Nuno Campos 4tet

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

Tim Kliphuis Quartet

Salão Brazil - Coimbra

10 Junho

Big Band do Município da Nazaré e Cristina Maria “Há Fado no Jazz”

Cine-teatro da Nazaré - Nazaré

10 Junho

Jorge Helder Quarteto

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

11 Junho

Débora King “Forget about Mars” / Mayan

Jardins da Quinta Real de Caxias - Oeiras

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