Dave Douglas, 6 de Abril de 2023

Ouvir o mundo

texto: António Branco / fotografia: John Abbott

O trompetista, compositor e pedagogo Dave Douglas (n. 1963) é uma das mais importantes figuras do jazz das últimas três décadas. Está de regresso a Portugal para concertos em Espinho (14 de abril, Auditório de Espinho), Braga (15, gnration), Lisboa (16, Culturgest) e Coimbra (17, Salão Brazil), na companhia do baterista Joey Baron, com quem, em 1993, se juntou no quarteto Masada, de John Zorn (com Greg Cohen no contrabaixo). Baseado em Nova Iorque, Douglas é conhecido pela amplitude estilística do seu trabalho, o lirismo e um permanente desejo de evolução, mantendo um conjunto diversificado de conjuntos e projetos ativos em simultâneo.

A carreira de Dave Douglas abrange mais de seis dezenas gravações originais como líder e mais de 500 composições publicadas. As suas formações atuais incluem, entre outras, o Dave Douglas Quintet; o quinteto Sound Prints coliderado com o saxofonista Joe Lovano; Overcome, grupo com as cantoras Fay Victor e Camila Meza, e também com Ryan Keberle, Jorge Roeder e Rudy Royston; Uplift, sexteto com o baixista Bill Laswell; Present Joys, dueto de longa data com o pianista Uri Caine que recentemente acrescentou Andrew Cyrille como terceiro membro para uma gravação em 2019 e High Risk, grupo de explorações com a música eletrónica com Shigeto, Jonathan Maron e Ian Chang. Não esquecer também Engage, sexteto com Jeff Parker, Tomeka Reid, Anna Webber, Nick Dunston e Kate Gentile; Marching Music, quarteto com Rafiq Bhatia, Melvin Gibbs e Sim Cain e Dizzy Atmosphere: Dizzy Gillespie in Zero Gravity com Dave Adewumi, Matthew Stevens, Fabian Almazan, Carmen Rothwell e... Joey Baron.

Como pedagogo e programador também apresenta distinto currículo. Entre 2002 e 2012, foi o diretor artístico do Workshop in Jazz and Creative Music at the Banff Centre, no Canadá. É cofundador e presidente do Festival of New Trumpet Music. Atualmente exerce atividade docente na Mannes School of Music e na New School of Jazz and Contemporary Music. Foi também diretor artístico do festival de jazz de Bergamo durante quatro anos e até 2019. Em 2005, fundou a Greenleaf Music, editora não apenas para as suas gravações, partituras, podcast (“A Noise from the Deep”, com um acervo de mais de uma centena de entrevistas, é de audição obrigatória), bem como a música de outros artistas. A editora já produziu mais de 80 discos, consolidando-se como plataforma musical independente pioneira com um forte modelo de subscrição com horas de conteúdo exclusivo.

A sua contribuição para a música granjearam distinto reconhecimento, incluindo um prémio Doris Duke, uma Bolsa Guggenheim, um prémio Aaron Copland e duas nomeações para os Grammys. Nascido em Montclair, Nova Jersey, Douglas cresceu na área de Nova Iorque e frequentou a Phillips Exeter Academy, uma escola secundária privada em New Hampshire. Foi o seu pai, Damon Greenleaf Douglas Jr., quem o introduziu no jazz; como jovem adolescente aprendeu teoria e harmonia do jazz com o pianista Tommy Gallant. Em 1984, mudou-se para Nova Iorque para estudar na Universidade diretamente com Carmine Caruso, terminando a licenciatura em Música. Os seus primeiros concertos foram com a banda de rock experimental Dr. Nerve, Jack McDuff, Vincent Herring, bem como com bandas de rua em Nova Iorque. A sua musicalidade e a experiência entretanto acumulada chamaram a atenção de Horace Silver, com quem fez uma digressão pelos EUA e Europa em 1987.

No final dos anos 1980, começou a tocar em bandas lideradas por Don Byron, Tim Berne, Marty Ehrlich, Walter Thompson, de entre outros, em Nova Iorque. Há trinta anos, Douglas teve a oportunidade de gravar o seu primeiro álbum como líder, “Parallel Worlds" (Black Saint/Soul Note), com um grupo onde pontificavam Mark Feldman (violino), Erik Friedlander (violoncelo), Mark Dresser (contrabaixo) e Michael Sarin (bateria). Seguiram-se os álbuns de estreia de grupos como Tiny Bell Trio (“Songlines”), com Brad Shepik e Jim Black, e o The Dave Douglas Sextet, com Chris Speed, Josh Roseman, Uri Caine, James Genus e Joey Baron, que gravou o tributo a Booker Little “In Our Lifetime” (New World). Seguiram-se dezena de gravações, em diferentes contextos e configurações instrumentais: “Charms of the Night Sky” (1997), “Magic Triangle” (1998), “A Thousand Evenings” (2000), “The Infinite” (2001), “Mountain Passages” (2005), “Meaning and Mystery” (2006), “Moonshine” (2007), “Spirit Moves” – com os Brass Ecstasy (2009), “Dark Territory” (no Record Store Day de 2016), “Brazen Heart” (2015) ou “Secular Psalms” (2022).

Admite não saber muito do que se passa no jazz português, mas considera Susana Santos Silva uma das mais relevantes trompetistas da atualidade.

Antecipando o seu regresso a Portugal, a jazz.pt conversou com ele.

 

O que podemos esperar dos seus concertos com Joey Baron em Portugal (Espinho, Braga, Lisboa e Coimbra)?

Espontaneidade! Descobrimos à medida que avançamos. Tudo está disponível, músicas, improvisação, som, interação, e acima de tudo, a atmosfera do público.

A sua relação com Joey Baron é longa. Pode-se sentir uma empatia musical muito especial entre vocês os dois, em contextos diferentes. Como é trabalhar com ele?

Trabalhar com o Joey é o melhor. Pergunte a qualquer um que possa tocar com ele. Depois de quarenta anos a tocar com o Joey, ele ainda me pode fazer rir ou chorar.

Quais são os principais desafios que este formato de dueto de trompete e bateria lhe coloca?

O desafio, como vejo corretamente ou não, é usar judiciosamente o meu som e presença, deixar espaço para que a música tenha a sua própria forma, independente de mim como músico. O desafio em qualquer instrumento é sair do caminho da ligação entre a imaginação musical interior e o som que emerge no ar. O desafio é deixar o som não falado fluir livremente.

Juntou-se ao quarteto Masada de John Zorn com Joey Baron em 1993 e antes deste dueto também celebrou a música de Dizzy Gillespie num sexteto liderado por si....

Joey Baron juntou-se a mim nos meus álbuns de sexteto “In Our Lifetime” (dedicado a Booker Little), “Stargazer” (decicado a Wayne Shorter), “Soul on Soul” (decdicado a Mary Lou Williams) e, mais recentemente, Dizzy Atmosphere. Joey e eu também participámos em três álbuns com Joe Lovano e Sound Prints. Muita desta música foi desenvolvida em torno do som e do espírito de Joey. É difícil colocar o limite do valor dela.

Tem tocado regularmente em Portugal ao longo dos anos. Conhece a cena do jazz português?

Nem de perto o suficiente!

Está bem estabelecido como um dos principais trompetistas da sua geração, fazendo parte da espinha dorsal da história do jazz. Olhando para trás, o que é para si o mais gratificante de tudo?

Obrigado. A parte mais gratificante de ser um trompetista é ter todos os dias outra oportunidade para acertar. Ainda estou a trabalhar nisso.

Embora a sua gama musical seja muito ampla, o seu som tem sempre um denominador comum, forma todo um corpo de trabalho poderoso e coerente mas eclético. O que o move na música?

O que é que me move na música? O som e as pessoas. Eu escrevo música para ter algo para tocar com os meus amigos. É tão simples quanto isso.


Dave Douglas


Nova música, novos caminhos

Lembra-se de como a música, e o jazz em particular, entraram na sua vida?

As gravações foram a minha linha de vida para uma paixão permanente pela música. O meu irmão e irmãs mais velhos tinham discos. O meu pai ouvia muito. E comecei a comprar os meus próprios discos por volta dos 12 anos de idade. Principalmente o jazz moderno. Procurava os músicos secundários e acompanhava-os para novas gravações.

O seu desenvolvimento musical começou com o piano, depois com o trombone, antes de descobrir o trompete. Porquê o trompete como seu instrumento para toda a vida?

Muitas vezes perguntei-me porquê o trompete, e depois, muito depressa, já era tarde demais! Tornou-se uma voz na qual eu confiava para a minha escrita.

A sua carreira evoluiu com colaborações com grandes nomes como Horace Silver, Don Byron, John Zorn, Tim Berne, Anthony Braxton, Myra Melford, Han Bennink, Joe Lovano, Martial Solal, e muitos outros. Todas elas são grandes influências sobre quem é hoje. A arte do som é uma questão em constante evolução?

Estou grato a todos com quem tenho tocado. Especialmente aos músicos que tocaram a minha música nos meus próprios grupos. Foi assim que eu aprendi mais e continuo a aprender.

Quais são as suas gravações de jazz preferidas? Pode dar alguns exemplos de gravações menos conhecidas que tenham contribuído para definir a sua direção artística?

Pensando apenas em trompete e bateria, Don Cherry e Ed Blackwell, “Codona”.

Em todas as dimensões do seu trabalho, recente e anterior, sempre trouxe outros elementos à sua música, o que não é novidade. A sua mente criativa é eclética, a fim de acomodar diferentes influências?

Gosto de muitos tipos diferentes de música. Fico intrigado ao ouvir coisas novas que não conheço, especialmente quando não está tão longe a ponto de ser inimaginável no contexto da minha música. Por isso, vou em busca dela. O meu objetivo é sempre nunca fazer a mesma coisa duas vezes, ou, de preferência, nada que outra pessoa tenha feito. Esta última é quase inalcançável, porque não há maneira de podermos ouvir tudo. Mas ouçam amplamente, como o meu pai.

Colidera os grupos Sound Prints com Joe Lovano, Present Joys com Uri Caine, lidera o quinteto Brass Ecstasy, em High Risk funde o seu trompete com a eletrónica de Shigeto, e assim por diante. É evidente que gosta de explorar novos territórios...

De facto! Disseste tudo.

Como pedagogo, o que pensa ser essencial para transmitir aos estudantes e jovens músicos?

Ouçam tudo, incluindo o mundo.

Quer mencionar alguns jovens trompetistas que lhe tocaram os ouvidos e a mente recentemente?

Só para citar alguns: Susana Santos Silva, Dennis Adu, Alexandra Ridout, Dave Adewumi, Milena Casado, Suzan Veneman, Yazz Ahmed, Marquis Hill.

Criou a Greenleaf Music em 2005. É uma empresa musical independente e uma loja web que apoia os artistas “plena e justamente”, produzindo CDs, downloads, partituras, subscrições, e um blogue. Foi um passo para um maior controlo sobre a sua visão artística e produção (e músicos associados)?

A Greenleaf Music tem sido um dos mais desafiantes e gratificantes esforços criativos da minha vida. Espero que todos venham partilhar connosco na comunidade em GreenleafMusic.com! É uma oportunidade para criar todo o tipo de projetos musicais, e apoiar artistas que partilham um compromisso e paixão pela música criativa.

É também um excelente entrevistador. Iniciou o podcast “A Noise from the Deep” há dez anos, onde tem conversas mensais com artistas de jazz significativos sobre música, composição, improvisação e concertos. Grandes histórias... Como vê este podcast?

Uau, muito obrigado! Gosto de falar de música com músicos. Aprendi muito com estas conversas.

Parece estar sempre ciente do que se passa não só no jazz, mas também em outras músicas. O que é que está a ouvir hoje?

Stephen Sondheim, “The Frogs”.

Depois de todos estes anos, tantas bandas diferentes em contextos tão diferentes, tantos grandes discos... Prepara o que se segue ou apenas deixa a vida e a música seguir o seu caminho?

Tanto a vida como a música guiam-me sempre. Estou sempre a preparar nova música e novos caminhos, mas também a permitir que o planeamento seja guiado e moldado pela minha vida. Estou sempre a nadar num mar misterioso, sem saber onde um novo projeto vai aterrar, ou como vou encontrar a chave para abrir uma porta. Este é o estado perene de evolução. Quando estou perdido, sei que sou encontrado.

Wayne Shorter disse: «O jazz é um lutador. A palavra “jazz” significa para mim: “Desafio-te. Vamos saltar para o desconhecido”»... Concorda?

Uma das muitas grandes coisas ditas pelo maestro. As coisas que ele me disse são coisas que eu sei que me vão intrigar para o resto da minha vida. É preciso viver para o desconhecido. E como Wayne Shorter disse no final do seu tempo neste reino, «Como te vais preparar para o desconhecido?» Eu sei que ele estará sempre connosco. Seríamos sensatos em ouvir.


Para saber mais:

https://davedouglas.com/

 

Dave Douglas

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

Associação de Moradores da Bouça - Porto

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

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