Joana Sá: “Elogio da Desordem” (Shhpuma)
Shhpuma
A música de Joana Sá tem sido classificada de imprevisível. Nesta sua nova edição – a segunda na Shhpuma, uma subsidiária da editora de jazz Clean Feed – Joana mantém essa imprevisibilidade. No centro de tudo está o piano, sim. Mas não é um piano qualquer. É um piano oriundo da música erudita contemporânea, mas que abraça a improvisação. Esta não é uma improvisação idiomática que possa evocar o jazz, o free jazz ou mesmo a improvisação livre. Estamos aqui perante um universo original, sem paralelo.
Depois de “Through This Looking Glass” (2010) e “Almost a Song”, este com Luís José Martins (2012), Joana Sá regressa ao trabalho a solo. Não se trata, porém, de um solo absoluto. É Joana quem manipula quase todos os instrumentos e objectos, mas este disco conta ainda com o contributo da voz de Rosinda Costa. E Joana também usa textos de Gonçalo M. Tavares: é deles que a voz de Rosinda se serve.
Mas é sobretudo o piano - preparado - que está no centro de tudo. A este junta-se um conjunto de estranhos objectos para formar uma sonoridade única, um universo sonoro irrepetível. Joana refere-se ao resultado como um «monólogo interior». Sem querer contrariar a autora, que conhece a sua música melhor do que ninguém, o que se ouve em “Elogio da Desordem” lembra mais um diálogo: faz perguntas e dá respostas, numa contínua interligação.
O título pode enganar, a música não vive da desordem, assenta numa forma estruturada, embora a sua aparente imprevisibilidade o esconda, como manto de nevoeiro sonoro. Por vezes ouve-se apenas o curioso sibilar dos objectos, em outras ocasiões chega-nos o contraste do piano, através da clareza de algumas notas límpidas. Em alguns momentos ouve-se a junção, essas duas camadas sobrepostas. Pelo meio, a voz vai surgindo, quase fantasmagórica, enchendo um ambiente de alta tensão.
Esta música agita-se, cresce, perturba, emociona. Convoca diferentes estados de alma, e fá-lo com uma permanente elegância. Para esta desordem só sobra o elogio.
(Sobre este disco, e para além da música, refira-se ainda a qualidade do packaging e do design. Este aspecto é normalmente pouco explorado, mas no caso presente o objecto físico só por si vale a atenção.)
-
Elogio da Desordem (Shhpuma)
Joana Sá
Joana Sá (piano, piano preparado, piano de brinquedo, sinos, sirenes, caixas de ruído, mini-amplificadores, harmónio, tubos flexíveis) + Rosinda Costa (voz)