Cordas e electricidade

Shhpuma

Cordas e electricidade

Shhpuma

texto Bernardo Álvares

A editora filha da Clean Feed tem mais dois títulos de músicos portugueses desalinhados com as tendências instaladas. A harpa de Eduardo Raon e a cítara, o dobro e o baixo dos Timespine fecham o ano da melhor maneira…

A editora Shhpuma veio preencher um espaço que estava vazio. Nascida da mui saudável Clean Feed, lançou agora as suas edições números 7 e 8, respectivamente “On the Drive for Impulsive Actions…”, de Eduardo Raon (foto acima), e “Timespine”, do trio com o mesmo nome composto por Adriana Sá, John Klima e Tó Trips. A ligar os dois registos está a opção pelas cordas com diferentes níveis de electrificação. A Shhpuma em geral e estes lançamentos em particular reflectem a efervescência que se sente actualmente entre os exploradores sonoros portugueses.

Eduardo Raon já fez parte do Powertrio, com Joana Sá e Luís Martins (que também já editaram em duo e, no caso da primeira, a solo pela Shhpuma). Nesta sua obra em nome próprio, explora um universo insectóide. Nos últimos meses tem sido viral uma peça que reduz o tempo de uma gravação de cigarras a “cantar” o número de vezes necessário para equiparar a esperança média de vida destes insectos à humana, sendo o alegado resultado muito semelhante a um coro humano tal como estamos habituados a ouvir. Se essa peça, do compositor Jim Wilson, humaniza os insectos, a obra de Raon vai no sentido de insectizar as pessoas, na medida em que explora uma aleatoriedade impulsiva.

Recriando estes pequenos seres electroacústicos, o harpista afasta a natureza humana da racionalidade, dando possíveis pistas para o modo de sentir a (sua) música. “On the Drive for Impulsive Actions…” é um disco que nos contagia como um todo e no fim questiona-nos com um “o que é que se passou aqui?”.

Intervalo entre estéticas

Tó Trips 

O trio Timespine constrói a sua música através de uma pauta gráfica. Inserindo-se num intervalo entre estéticas, o som deste grupo corresponde a uma visão multicultural altamente contemporânea. Tó Trips é reconhecido, sobretudo, como metade do duo Dead Combo, que conjuga elementos de jazz, rock, fado, folk e outras influências. Neste trio serve-se de um dobro, elo mais ou menos perdido da evolução da amplificação sonora da guitarra. Inventado por um “luthier” eslovaco-americano, é ainda um dos instrumentos característicos da música afro-cubana.

O “zither” (ou cítara, na tradução portuguesa) utilizado por Adriana Sá é tradicionalmente encontrado na Europa Central e de Leste, mas com família directa na Ásia, sendo o koto e o zheng, respectivamente, dos instrumentos mais utilizados nas músicas tradicionais do Japão e da China. John Klima, americano imigrado em Portugal e senhor do baixo, pertenceu em tempos ao grupo pop Presidents of the United States of America, sendo actualmente uma peça importante no cenário musical de Lisboa, tendo colaborado, entre outros, com Sei Miguel e Ricardo Webbens.

Composto por duas peças, sete faixas e 11 momentos distintos, este “Timespine” permite aos músicos explorarem técnicas diferentes nas diversas partes, sem no entanto as peças perderem o sentido de unidade. Fiel a uma linguagem muito própria e bem consolidada, Tó Trips vai surgindo com apontamentos harmónicos quase a soar a uma estética definível, por vezes também acrescentando uma componente percussiva, sem nunca marcar o ritmo declaradamente. John Klima trabalha linhas de baixo que, em outros contextos, poderiam ser um bom acompanhamento de rock ou música electrónica, mas neste trio acrescentam uma coerência e um sentido ao som geral. Esse “agarrar” coeso dos graves permite que a gravação não caia no registo associado às escolas da improvisação, perpetuando ainda mais a peculiaridade conquistada.

A artista multidisciplinar Adriana Sá assume-se enquanto o elemento desestabilizador, a líder dissonante deste trio. Oscila entre dedilhações folk “new-weird-America” e um trabalho de arco perfurador e perturbado. Tanto contribui com um preenchimento harmónico como com interacções cirúrgicas.

Duas amostras da presente música criativa nacional que merecem toda a nossa atenção…

  • Timespine

    Timespine (Shhpuma)

    Timespine

    Adriana Sá (zither, electrónica); John Klima (baixo eléctrico); Tó Trips (dobro, percussão)

  • On the Drive for Impulsive Actions and Other Socially Contagious Involuntary Behaviors

    On the Drive for Impulsive Actions and Other Socially Contagious Involuntary Behaviors (Shhpuma)

    Eduardo Raon

    Eduardo Raon (harpa, daxofone, electrónica, voz, percussão)

Agenda

23 Março

Anthropic Neglect

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

23 Março

João Almeida e Miguel Fernández

Café Dias - Lisboa

23 Março

George Esteves

Cascais Jazz Club - Cascais

23 Março

Sei Miguel Unit Core

Livraria Ferin - Lisboa

23 Março

Alex Zhang Hungtai e Gabriel Ferrandini / Guilherme Curado

Titanic Sur Mer - Lisboa

23 Março

Manuel Oliveira, Rodrigo Correia e Guilherme Melo

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

24 Março

Margaux Oswald

Cossoul - Lisboa

24 Março

The Comet Is Coming

Lisboa Ao Vivo - Lisboa

24 Março

Alessio Vellotti Group

Cascais Jazz Club - Cascais

24 Março

Blind Dates

Porta-Jazz - Porto

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