Shirley Horn: “At the Gaslight Square” (Solar Records)
Solar Records
Reconhecida pelo seu talento na interpretação de baladas, a cantora e pianista Shirley Horn (1934-2005) teve o momento de maior popularidade a partir de meados da década de 1980, tendo vivido um período de especial fulgor criativo durante a década de '90. Foi, contudo, no início dos anos '60 que Horn começou por se fazer notar, tendo chamado a atenção de Miles Davis, que a elogiou e convidou para fazer as primeiras partes de concertos seus - o mesmo Miles que nunca elogiava nenhum outro músico.
Horn gravaria o seu primeiro disco, “Embers and Ashes”, no ano de 1961 e este disco ao vivo reúne um conjunto de actuações dessa época, gravações ao vivo na zona da Gaslight Square em St. Louis (nem se sabe ao certo em que clubes: originalmente, estas gravações foram identificadas de forma errada como “Village Vanguard”). Este disco reúne oito temas que são perfeitamente representativos das características de Horn: quase sempre em tempos lentos, os temas assentam na voz e no piano, que soam de forma independente, como se se tratasse de dois intérpretes diferentes.
A gravação é roufenha, há ruídos desnecessários e a voz não está perfeita como nas gravações de estúdio. Mas a essência está lá toda. Sem efeitos desnecessários, sem exageros, com simplicidade e total eficácia, Horn extrai de cada melodia a dose perfeita de sentimento. O acompanhamento instrumental é também simples, no contrabaixo de John Mixon e na bateria de Gene Gammage, dupla cumpridora e não intrusiva.
O repertório escolhido assenta sobretudo em baladas. O disco arranca com “Sometimes I'm Happy”, num estável “midtempo”, mas depois desacelera o ritmo e é nesse registo que encontramos os temas mais marcantes: “If I Should Lose You”, “Good for Nothin' Joe” e “He Needs Me”. Pelo meio ouvimos interpretações do über-clássico “Summertime” e de “'Round Midnight”, esta em versão apenas instrumental. O álbum fecha com “Makin' Whoopee”, um tema mais acelerado, que contrasta com a toada lenta que marca os anteriores. Apesar de reunir apenas oito canções, este conjunto de gravações ao vivo é valioso.
A presente reedição da Solar Records acrescenta dois “bónus”: o disco “Loads of Love” (1962) na íntegra e ainda três faixas extra, oriundas de uma sessão que contou com o violinista Stuff Smith em 1959. A diversidade musical num único disco acaba por não fazer sentido. Ainda que possa funcionar em termos de “marketing” – a tentação do “dois-em-um” – este recurso a “bonus tracks” destrói a coerência e o alinhamento de um álbum, pensado como um objecto em si mesmo.
Perde valor o disco e perdem valor também os extras, que passam a ser encarados apenas como bónus dispensáveis. Apesar do conceito de “bonus tracks” ter ganho força no panorama jazz na década de '90, com as reedições, remasterizações e novas edições de velhos clássicos em CD, acrescentando “alternate takes” ou outros registos da época, esta política seguida por “labels” como a Solar e outras, juntando álbuns inteiros (!) e por vezes até apresentando discos históricos com capas alteradas (!!), acaba por desvalorizar o valor dos clássicos.
Temos plena consciência de que nesta segunda década do século XXI a cultura de audição de um disco se tem perdido, sobretudo devido aos actuais serviços de partilha de música “online” (iTunes, Spotify, etc.), que permitem e promovem a venda de temas avulsos, e que para muitos ouvintes um disco não tem o mesmo valor que teve noutras épocas. Independentemente disto, e não apenas por uma questão nostálgica, mas sobretudo pelo respeito ao valor de um álbum, este tipo de edições conjuntas deveria ser evitado.
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At the Gaslight Square (Solar Records)
Shirley Horn
Shirley Horn (voz, piano); John Mixon (contrabaixo); Gene Gammagen (bateria)