António Quintino: “Prólogo” (edição de autor)
Edição de autor
Para além dos nomes históricos do instrumento em Portugal, vários têm sido os contrabaixistas/baixistas a editar, enquanto líderes dos seus próprios projetos, nos anos mais recentes. O rol é extenso e esteticamente variado: Nelson Cascais, Miguel Amado, Hugo Carvalhais, Yuri Daniel, Hugo Antunes, Ricardo A. Freitas, Miguel Ângelo, Nuno Campos, João Hasselberg, Paulo Luz...
Quem estiver atento ao fenómeno – crescente – de emergência de novos valores no panorama nacional do jazz, convive também com a presença, cada vez mais notada, do contrabaixista António Quintino. Licenciado em Jazz pela Escola Superior de Música de Lisboa, os seus préstimos têm sido requisitados amiúde para as mais diversas colaborações, nas quais tem deixado marca indelével. Permito-me destacar a sua participação no projeto El Fad (“Lunar”, de 2010, na JACC Records) e no notável álbum “Volta” (de 2012, também no selo coimbrão), onde dialoga – por vezes de forma brilhante – com o guitarrista José Peixoto.
Apesar de ser um músico jovem – ainda não completou 30 anos –, Quintino tem acumulado um significativo capital de experiência, em diversos contextos, que o levou a considerar que havia chegado o momento para dar o passo seguinte e gravar o primeiro disco em nome próprio. “Prólogo”, com produção e edição de autor, consubstancia esse movimento e mostra que, para além do instrumentista de valia técnica indubitável, estamos perante um compositor com ideias claras e que desvendam influências diversas.
Algumas das peças que aqui se escutam foram compostas enquanto estudava no Conservatório Nacional Superior de Paris, em 2011, ano em que também esteve a capacitar-se em Nova Iorque. Excetuando duas, todas as peças neste disco são de sua autoria.
Quintino rodeia-se de músicos que bem conhece e com eles forma um quarteto compacto e que interage a bom nível: aos habituais cúmplices André Santos – que se confirma como um dos mais interessantes guitarristas nacionais – e o flexível e competente baterista Joel Silva – que também acaba de se estrear como líder – junta-se o saxofonista Gianni Gagliardi, que conheceu aquando da sua passagem pela capital francesa e que entretanto se fixou em Nova Iorque.
A abrir, o contrabaixista dá o mote para o dinamismo de “Boda's Groove”. Com a sua melodia soalheira, “On Miyagi's Side” é marcado pelos uníssonos saxofone-guitarra e conta com um ótimo solo de Santos e o “drive” certeiro do baterista. Mais interessante, “Tout n'est pas blanc et noir” – a sua primeira peça para “big band” e que aqui surge num arranjo para formato reduzido – exibe Gagliardi mais solto, bem acolitado pela secção rítmica.
Santos introduz tranquilamente “Querido Major”, peça lenta de recorte elegante, com Quintino a assinar prestação central e Silva leve e consequente com escovas. No apropriadamente intitulado “Urso Bipolar” – que parece funcionar como o centro de gravidade do disco – alternam episódios de pendor mais rock (com a guitarra abrasiva de Santos) e outros mais repousados.
Em trio (sem saxofonista, opção que o contrabaixista deverá explorar mais no futuro), “Down Home” – original do enorme Fred Hersch, com quem Quintino chegou a trabalhar – é uma das peças mais conseguidas da jornada, assumindo uma feição claramente “methenyana”, com a guitarra cristalina e o contrabaixo em íntima simbiose, subtilmente frisada pelo baterista. O disco termina com uma interessante leitura de “Ouro Preto”, uma das canções que foram o resultado da parceria transatlântica entre Sérgio Godinho e Milton Nascimento.
Deixando pistas interessantes, este é um prólogo – refletido na porta de entrada que Camila Beirão dos Reis desenhou para a capa – a uma história que decerto confirmará António Quintino como um músico a ter em séria conta no jazz nacional.
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Prólogo (Edição de autor)
António Quintino
António quintino (contrabaixo); Gianni Gagliardi (saxofone tenor); André Santos (guitarra elétrica); Joel Silva (bateria)