António Eustáquio / Carlos Barretto: “Guitolão” (JACC Records)
JACC Records
Para um musicólogo ou etnomusicólogo, este disco é uma mina. São muitas as questões levantadas pelo incomum duo que aqui se apresenta, entre um virtuoso da guitarra portuguesa que tem levado esta para os domínios da música erudita, por exemplo adaptando as composições de Vivaldi para alaúde (António Eustáquio), e um dos contrabaixistas de referência do jazz nacional, músico que tanto encontramos nos circuitos do “mainstream” como nos mais aventurosos percorridos pelo seu grupo Lokomotiv (Carlos Barretto).
Poderíamos referir, por exemplo, que o mesmo processo de universalização que fez com que o jazz deixasse de ser uma música étnica (a música da comunidade afro-americana) acabou por lhe dar outras feições etnicistas devido ao encontro com as mais diversas culturas regionais. No caso de “Guitolão”, o jazz encontra a música do Sul da Península Ibérica, carregada de influências sefarditas.
Assim como podemos ouvir este CD na perspectiva de que a tradição também pode ser renovada. O guitolão é um instrumento inventado por Carlos Paredes, de afinação grave, para resolver alguns dilemas técnicos da guitarra portuguesa, mas só foi construído (três exemplares apenas) após a sua morte. O que com ele Eustáquio faz pode ter raízes no fado, mas trata-se de uma inovação tímbrica de enorme relevância.
Sobre este incontornável lançamento discográfico é possível concluir, ainda, outro aspecto: a falhada tentativa do já mencionado Paredes e do contrabaixista Charlie Haden de cruzar Portugal e o jazz é finalmente conseguida por esta dupla. Mas atenção, o resultado não é propriamente “jazz português”, mas outra coisa. Uma outra música, velha e nova, deslumbrante de implicações, bela como as vilas de Castelo de Vide e Nisa, onde Eustáquio e Barretto, respectivamente, habitam quando não estão na estrada.
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Guitolão (JACC Records)
António Eustáquio / Carlos Barretto
António Eustáquio (guitolão); Carlos Barretto (contrabaixo)