Phillip Schulze: “Ambassador Duos” (apparent extent)
Aqui está um álbum que tem passado despercebido tanto nos círculos do jazz como nos da música contemporânea, pelo facto de em cada um desses “lados” ser entendido como algo que pertence ao outro. Em tempo de sincretismos estéticos e de transdisciplinaridades artísticas tudo justificava que se deixasse de compartimentar a música, mas assim não vem acontecendo. “Ambassador Duos” é uma edição fundamental para compreender os rumos da criação trans-idiomática da actualidade, mas foi remetido para o limbo onde se descarta tudo o que não é compreendido, ou aceite. Phillip Schulze é um artista “media” de Dusseldorf que trabalha como músico (estudou na Wesleyan University com Anthony Braxton, Alvin Lucier e Ron Kuivila) e como escultor, videasta e instalacionista. No âmbito musical como no visual, a electrónica é o seu domínio, e isso passa pela programação de “software” específico para tratar os sons produzidos por instrumentos convencionais e, a partir dessas operações, “compor” autonomamente as tramas electroacústicas.
É o caso do que vem reunido nestes dois vinis, quatro peças gravadas entre 2005 e 2014 que são partilhadas, respectivamente, com Braxton, Christian Jendreiko (guitarra “pedal steel”), um segundo saxofonista, Andrew Raffo Dewar, e o DJ e produtor Detlef Weinrich, também conhecido como Toulouse Low Trax. Braxton e Dewar movimentam-se no âmbito do jazz, mas Jendreiko é um artista sonoro da área experimental e Weinrich é uma figura do techno, o que diz bem da vontade de Schulze em cobrir um vasto leque de abordagens. O Braxton que começamos por ouvir é desabitualmente melódico e, logo, tonal, pelo menos na parte em que surge com o sax soprano – nesta colaboração, está bem patente a decisão de o deixar tocar sem grandes interferências, com “samples” e sínteses simplesmente a envolvê-lo. Já o sopro de Dewar é multiplicado por um sem-número de saxofones virtuais, até se deixar de perceber quem ouvimos, ele ou os seus fantasmas digitais. A guitarra horizontal de Jendreiko é sempre reconhecível, mas os processamentos da dita e as construções realizadas a partir dos mesmos engolem-na frequentes vezes. Com Weinrich entramos em pleno domínio do “beat” e esse procedimento como que des-sacraliza todo este conjunto de selecções, subvertendo o carácter demasiado sério que a música electroacústica, à semelhança da (e em continuidade com) tradição sinfónica e de câmara, vai infelizmente tendo. Ou seja, “Ambassador Duos” começa em jeito de balada e termina com “grooves” à desfilada, o que não é propriamente vulgar e sabe particularmente bem.