Vesna Pisarovic: “The Great Yugoslav Songbook” (Jazzwerkstatt)
Por esta ninguém estava à espera. Um disco que vai ao baú das canções populares jugoslavas dos anos 1950 e 60, incluindo temas da Eurovisão e conversões – à maneira dos Balcãs – da “chanson française” e dos êxitos italianos da época, e que os trata como se fossem “standards” de jazz. Para mais reunindo à cantora Vesna Pisarovic dois elementos do trio de “improv” minimalista The Necks, o pianista Chris Abraham e o baterista Tony Buck. Mais alguém com quem nunca imaginaríamos que estes pudessem tocar: um contrabaixista que veio refrescar o “mainstream”, Greg Cohen. E ainda o gira-disquista Dieb13 (a única vez que o vimos por cá foi com Mats Gustafsson, mas o seu território habitual de acção é o do experimentalismo electrónico), o trombonista (também em sousafone) Gerhard Gschlobl, que habitualmente encontramos nas hostes do free jazz, e o saxofonista e clarinetista Francesco Bigoni, vindo de associações com Enrico Rava. O que no conceito e na ficha técnica nos deixa perplexos e desconfiados é também o que nos leva a atirar-nos à música. Pois vale bem a pena.
Das duas uma. Esta revisitação do espólio cançonetista da antiga Jugoslávia ou poderia ser tomada como um saudosismo dos tempos da ditadura de Tito ou como uma ironia, ainda que cruel, tendo em conta o que se passou depois de aquele país se ter dividido em vários, com a região a viver uma das mais violentas guerras étnicas do final do século XX. Pisarovic diz que o que está em causa é o segundo caso: o passado não é para ser esquecido, e sim lembrado criticamente. Aliás, aquele que este grupo transnacional aqui evoca é o mesmo dos filmes de Kusturica. E das duas uma também: ou a protagonista do projecto aproveitaria o momento para se posicionar no mundo como uma entre dezenas, centenas de cantoras de jazz totalmente desinteressantes ou faria a diferença. Pois é com jazz – e um jazz muito mais conforme com as convenções do género do que fariam supor as intervenções de músicos maioritariamente situados na chamada “vanguarda” – que essa distinção é feita. Uma distinção conseguida pela inventividade dos arranjos, por uma voz que não procura imitar as glórias do jazz vocal nem arrumar-se demasiado em abordagens pop ou folk e por instrumentistas brilhantes que conhecem bem a tradição do género, não temem subverter a dita quando tal se torna oportuno e têm plena noção de que o jazz é, ele próprio, uma música popular.