1000: “1000 Anthems to Work on a Good End” (Umland / El Negocito)
Num tempo de brutal afirmação dos nacionalismos xenófobos e, até, de inspiração nazi, bem como de intensificação das migrações provocadas pela guerra ou pela acção de regimes ditatoriais, estranho seria que na área do jazz e da música improvisada não surgisse algum projecto em reacção a tal infeliz conjuntura. Uns quantos haverá com certeza pelo mundo fora, mas nenhum com a relevância conseguida por este disco do quarteto 1000, que junta um alemão (Jon Klare), um belga (Bart Maris), um holandês (Wilbert de Joode) e um norte-americano residente na Holanda (Michael Vatcher). A ideia em que pegaram não é propriamente nova, dados os antecedentes (ainda que provindos da música erudita contemporânea) de Mauricio Kagel (“10 Marches to Miss the Victory”) e Karlheinz Stockhausen (“Hymnen”), mas tem umas quantas particularidades.
O saxofonista, o trompetista, o contrabaixista e o baterista interpretam (à sua, e do jazz criativo, maneira) os sete hinos nacionais que o Afeganistão teve entre 1926 e 2006, bem como os cinco do Camboja existentes entre 1941 e 1989 (a música mudava consoante os regimes de ambos os países), assim relativizando a importância simbólica de cada um. A estes juntam o actual hino da Síria (pelos motivos óbvios, como uma referência ao que por lá se passa), um antigo da China e outro que identifica um atol do Pacífico, Niue, nestes casos apenas porque gostam das melodias. Mas há mais: pelo meio os 1000 inventam um hino para os apátridas que vão chegando às costas da Europa, a que chamam “Refugia”. E cantam os hinos alemão, belga, holandês e americano em simultâneo. Musicalmente, o que aqui vem faz lembrar alguma coisa de Albert Ayler, mas se a improvisação é tão imediatista quanto a deste, os arranjos são bem mais complexos e por vezes remetem-nos mesmo para… Kagel e Stockhausen. No texto de apresentação do álbum os quatro músicos admitem a possibilidade de que este irrite algumas pessoas, e não é difícil adivinhar quem.