PUI4 (Viegas / Guazzaloca / "Zíngaro" / Rosso): “A Pearl in Dirty Hands” (AUT Records)
Quando se trata de improvisação, o que regra geral se espera de um disco ou de um concerto é que seja disruptivo, desconstrutivo e intenso, mas essa é uma perspectiva tão condicionada por um pré-conceito (preconceito, mesmo que o termo surja com conotação positiva) quanto todos os outros (começando pelos negativos). Como que a querer afastar de imediato esse apriorismo, o primeiro tema de “A Pearl in Dirty Hands”, “Underwater”, escolhe uma abordagem poética e pausada, conduzida pelo piano de Nicola Guazzaloca e seguida de acordo pelos outros intervenientes dos PUI4, João Pedro Viegas (clarinete baixo), Carlos “Zíngaro” (violino) e Alvaro Rosso (contrabaixo). “Soon it’s Late” já tem o registo inverso, mas a sua matriz de câmara diz-nos simplesmente que o outro lado do lirismo está nesta maior entrega de energia, pois para todos os efeitos outra coisa não implica do que um sublinhar da expressão, seja ela de que tipo for.
É na terceira faixa, “Reflexes”, que aterramos no que mais importa neste disco, a exploração dos possíveis timbres, texturas, estruturas e jogos colectivos ou interpessoais que se possam moldar com estes instrumentos e estes instrumentistas de três países (Portugal, Itália e Uruguai), indo ao encontro da máxima que move a AUT Records: promover as músicas experimentais e de pesquisa que não estejam amarradas a uma linguagem musical específica. E se parece predominar uma conexão com a música contemporânea (apesar da gestualidade muito paganiniana que define “Zíngaro” e que faz com que os fundamentos da dita estejam mais recuados no tempo), o piano que dá entrada a “By the Gale” é assumidamente jazzístico, ainda que os desenvolvimentos posteriores daí se afastem. A pérola maior deste conjunto é “By the Dusk”, um festim para os ouvidos, logo seguida pelas emaranhações de “Down the Cave”. Há ainda lugar para o cinema, com “On the Branches” e “Firestarter” (poderiam pertencer à banda-sonora ao vivo de um filme de Buster Keaton), vindo depois o fecho dado por “Left Clefts” lembrar-nos que nos entretantos da improvisação aconteceu algo a que chamamos “música electrónica” – mesmo que este seja um tratado de organologia acústica.