Ulrich Mitzlaff: “10 Sonic Miniatures About Edvard Munch’s ‘The Scream’” (Creative Sources)

Rui Eduardo Paes

Se há obras de arte que, pelo mero poder da sugestão, têm um alcance sinestésico que as faz transcender o seu suporte – a tela, a pedra – para mimetizarem uma propriedade sonora, “O Grito” de Edvard Munch talvez seja aquela que primeiro nos ocorre. E se há obras musicais que nos suscitam um imaginário visual, esta de Ulrich Mitzlaff, violoncelista alemão residente em Portugal há longos anos e parte activa da nossa comunidade improvisacional, acrescenta-se como uma das que melhor cumprem o seu desígnio. Num caso como no outro tudo é espaço – a figura pintada por Munch está mergulhada no plano de fundo (a doca de Oslofjord, na Noruega, ao pôr-do-Sol) e o violoncelo chega-nos pela mediação de uma arquitectura reverberativa muito particular (a da Igreja de Santiago de Palmela). Não há perspectiva: nos dois casos, a envolvência, o cenário, engolem o elemento humano, com a diferença, apenas, de que num a opressão vem da natureza e no outro decorre de uma construção também ela humana, se bem que decorrendo das leis naturais da acústica.

O pintor diz-nos que a natureza pode ser opressiva e Mitzlaff que um espaço habitualmente conotado com o apaziguamento espiritual pode também ser claustrofóbico, ou seja, que a angústia existencial que se pretende minorar pela oração ou pela meditação pode até ser mais premente quando está especificamente localizada. Mas se tudo em Munch fica exponenciado num grito mudo (entendido ainda que não ouvido), um efeito que encerra as suas causas porque a imobilidade de uma imagem assim o obriga, o que Mitzlaff apresenta com as suas 10 miniaturas são as causas que levam ao efeito, em situações que prenunciam o grito sem nunca o gritarem – a música só não é uma arte representativa porque se move, porque está em processo, porque nunca tem um efeito definitivo. Este antecipa-se, adivinha-se, e apenas isso. Nunca chega, e a curta duração das peças torna esse desenlace ainda mais distante, por mais que o anuncie, mantendo-o implícito, numa permanente fantasmização das situações exploradas. O que é assaz curioso: todos os poucos segundos que se utilizem para cada acrescento destas pinturas “in motion” são uma eternidade quando comparadas com o impacto instantâneo do quadro de Munch, e no entanto o grito deste é infinito, não teve início detectável e não terá fim, continuando sempre, enquanto a música de Mitzlaff surge por cortes, delimita-se no tempo, vem em vagas sucessivas, cada pausa entre temas permitindo-nos um alívio, uma golfada de ar. Quando olhamos para “O Grito” não respiramos. A música, percebemos, é respiração, e com ela a metaforização de um grito faz-se encarando este como um fluxo respiratório que vem de antes do grito e que o vai formando, como o free jazz e o punk bem perceberam.

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