Diogo Vida: “Piano Improvisations” (Ed. de Autor)
Edição de autor
O mundo digital tem destas coisas. As ferramentas de gravação e edição, as plataformas de disponibilização de conteúdos “online” e a desmaterialização dos suportes de audição concorrem para que este disco (permitam-me a facilidade de linguagem) seja, certamente, aquele que me chega às mãos e sobre o qual escrevo num lapso temporal mais curto a partir do instante em que foi gravado (o que aconteceu nos dias 1 e 2 de janeiro deste ano, sendo este última, também, a data da publicação).
Depois dos muito interessantes “Alegria” (2011), a estreia, em quarteto, “Próxima Estação” (2013) e “El Duende” (2018), ambos em trio, Diogo Vida continua a explorar novas possibilidades e a passar com distinção os habituais “testes de fogo” para determinar a relevância artística de um pianista de jazz. “Piano Improvisations” é o seu primeiro disco a solo, no qual apresenta um conjunto de peças completamente improvisadas, sem que tenha havido qualquer tipo de preparação específica para o empreendimento. A celeridade com que tudo aconteceu poderia deixar antever pressa para transmitir a sua ideia do que é estar num trapézio sem rede, mas o músico encara o facto como natural e refuta a ideia de urgência. Para conferir frescura a todo o processo, tentou limitar-se ao primeiro “take” e a pós-produção (sem nada a acrescentar) também por isso não foi demorada.
As peças interpretadas a solo que encontramos nos registos anteriores já mostravam que era sobretudo nelas que dava largas ao seu pianismo luminoso, solidamente fundado na tradição do género, mas sabendo abrir-se a outros estímulos e matizes. «Tenho para mim que o piano solo no jazz tem sempre muito do clássico. É o ADN do instrumento, não há nada a fazer», diz-nos. De uma forma ou outra, as suas referências, díspares, ecoam por aqui: Bill Evans, Paul Bley, Keith Jarrett, Chick Corea, Herbie Hancock, McCoy Tyner. O novo disco é, antes de mais, produto da experiência acumulada e, sublinha o autor, «das coisas que não sabia que sabia».
Ainda à procura de uma definição pessoal de “improvisação”, colocou este desafio a si próprio, o que é particularmente significativo, sabendo-se da sua preferência por tocar acompanhado. É certo, aliás, que tão cedo não regressará a este contexto solitário. Desenvolvendo uma linguagem eminentemente tonal, o pianista é, bem o sabemos, um dotado cultor da melodia e alguém que burila pacientemente harmonias, texturas, tempos. A belíssima peça de abertura, “Nature Slow”, reflete a lentidão com que a natureza faz o que tem a fazer (e que nós, seres humanos, tão rapidamente destruímos, acrescento eu), merecendo especial nota a forma como a linha melódica respira de forma natural.
Com a sua vívida pulsação, “Syncope”, vinheta de duração inferior a um minuto, é, curiosamente, a única peça que conheceu várias tentativas até o pianista se dar por satisfeito. “Singularities of Pluralities” exibe uma irregularidade quase “tayloriana” e “Carrossel” uma estrutura circular simples, mas consequente. O pináculo encontramo-lo, porém, em “Broken Cantilena”, melodia em tons apaziguadores que surge “partida”, com a mão esquerda a sair da sombra e a assumir papel determinante na construção pianística. Em jeito de declaração de intenções deixada para o fim da função, “Still Searching” não esconde que, para nosso gáudio, a busca continua.
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Piano Improvisations (Edição de autor)
Diogo Vida
Diogo Vida (piano)