Alberto Conde Iberian Roots Trio: “The Wake of an Artist – Tribute to Bernardo Sassetti” (Clean Feed)
Clean Feed
Trágica e precocemente desaparecido, Bernardo Sassetti (1970-2012) foi um genial inventor em tempo real, um compositor e arranjador sobredotado, um instrumentista raro, um verdadeiro artista “intermedia”, cruzando música com outras artes, como a fotografia e o cinema. Ergueu uma obra perpassada por um lirismo que lhe vinha de dentro e cujo relevantíssimo significado não cessa de nos surpreender. A marca indelével que deixou, do jazz mais “mainstream” do início às experiências noutros domínios, musicais e não só, e através de múltiplas colaborações, tem permitido diversos ângulos de abordagem póstuma, os quais só demonstram a riqueza e a abrangência do trabalho que desenvolveu.
O pianista galego Alberto Conde – músico de sólidos predicados – teve os primeiros contactos com a música de Sassetti em meados dos anos 2000, nos festivais de Coimbra e Pontevedra. Essa experiência foi de tal modo marcante (logo descortinou subtilezas rítmicas, harmónicas e de timbre, para além de um engenho especial a tratar as referências jazzísticas) que decidiu mergulhar nos seus registos gravados, em trio e a solo. Cinco anos após o desaparecimento de Sassetti, Conde revisitou esses discos, que o voltaram a espantar e de modo ainda mais intenso. Sentiu que se estava a estabelecer uma forte ligação, o que, diz, lhe permitiu compreender o que se passaria musicalmente na cabeça do português ao compor.
Essa conexão motivou uma conversa com o ensaísta e editor da jazz.pt, Rui Eduardo Paes, que lhe disse haver na música de ambos mais coisas em comum do que diferenças. Estava lançada uma semente que começaria a germinar quando, com a ajuda de Pedro Costa, editor da Clean Feed, casa de importante fatia da produção discográfica de Sassetti, decidiram abordar Carlos Barretto, que de imediato aceitou a ideia de homenagear o malogrado pianista. O contrabaixista, por sua vez, encarregou-se de pôr o baterista Alexandre Frazão ao corrente do projeto, tendo também este aceitado prontamente o repto. Alberto Conde afirma que não imaginou fazer este disco de tributo sem os músicos que criaram com o pianista o som do seu trio. De facto, dificilmente a carreira de Sassetti teria sido a mesma sem o contributo fundamental dos superlativos Barretto e Frazão.
“The Wake of an Artist – Tribute to Bernardo Sassetti” é o resultado desta virtuosa conjugação de vontades e esforços. A ideia não passou pela releitura canónica do trabalho de Sassetti, mas por prestar-lhe homenagem e isso implicou a inclusão de peças originais inspiradas nos vários mundos musicais do pianista luso, nas suas paixões e necessidades. Não há aqui lugar a venerações inócuas, mimetismos ou decalques mecânicos. Há, sim, exercícios de processamento consequente a partir de um leque de referências diretas e indiretas e, sobretudo, um profundo respeito pelo seu enorme legado, interpelando-o criativamente.
Abrem-se as janelas e “Taken by Lisbon” é um jorro de luz intensa que faz vibrar as cores e que acentua o contraste de formas e silhuetas. Introduzido pelo contrabaixo (Barretto soberbo no uso do arco), “The Wake of an Artist” adquire um dinamismo rítmico de travo ibérico. Notável a leitura de “Musica Callada”, a peça-emblema de Federico Mompou que Sassetti, ao revisitá-la em disco e tantas vezes em palco de forma brilhante, tornou sua também. “Monkssetti” ilustra a importância da música de Thelonious Monk na abordagem improvisacional do português, que revela um lado anguloso e inquietante. “Sonho dos Outros” e “Reflexos” – ambas retiradas do inescapável “Nocturno” (2002) – são peças de Sassetti às quais se acrescentam novas dimensões. Da autoria do excelente violetista e compositor José Valente, “Embalo para Bernardo” é um momento belíssimo e que se revela decisivo para o cômputo da jornada: percussão de filigrana, piano esparso, viola pungente. Uma canção de embalar densa que parece funcionar como uma suíte, desdobrando-se em diferentes secções. (Arrumar-se-ia tão bem no alinhamento de “Ascent”.) “Noite-Alice” perscruta o magistral motivo circular que Sassetti compôs para o filme de Marco Martins, rampa de lançamento para outras explorações. Gostaria de saber o que este trio teria feito a “O Homem que Diz Adeus”...
Nota pessoal: em maio de 2007, após um extenuante período de concertos e viagens (Brasil, Espanha, França), Bernardo Sassetti encontrou finalmente uma vaga no seu agitado quotidiano para completar a entrevista que havíamos combinado para a jazz.pt. Questionado sobre quão importante é ter dúvidas, respondeu de forma lapidar: «Essa é a única certeza que tenho, possivelmente a única que me permitirá continuar esta loucura que é ser músico.»
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The Wake of an Artist – Tribute to Bernardo Sassetti (Clean Feed)
Alberto Conde Iberian Roots Trio
Alberto Conde (piano); Carlos Barretto (contrabaixo); Alexandre Frazão (bateria) + José Valente (viola)