Matt Mitchell: “Phalanx Ambassadors” (Pi Recordings)
Pi Recordings
Há bem uma vintena de anos que o pianista, compositor e estratego Matt Mitchell (n. 1975) se tornou um nome essencial nas esferas mais relevantes do jazz contemporâneo. Seja em formações mais alargadas, nos duetos com Tim Berne ou Ches Smith, em trio com Anna Weber e John Hollenbeck, em quarteto com Chris Speed, Chris Tordini e o mesmo Smith, com John Zorn, Dan Weiss, Dave Douglas, Jonathan Finlayson, Mario Pavone e Steve Coleman, selecionando apenas algumas de entre uma miríade de colaborações.
Em “Phalanx Ambassadors”, sucessor do excelente “A Pouting Grimace” (2017), Mitchell continua a operacionalizar uma visão musical muito própria, tão exigente e rigorosa quão imprevisível, vertida em estruturas elaboradamente esdrúxulas, métricas bizarras e improvisações exigentes. Reduziu o efetivo e surge desta feita acompanhado por um quinteto de configuração pouco habitual, sem a presença de qualquer instrumento de sopro. A formação completa-se com o guitarrista Miles Okazaki, a vibrafonista e marimbista Patricia Brennan, o contrabaixista Kim Cass e a baterista Kate Gentile. Os dois últimos, aliás, formam com Mitchell o “núcleo duro” da formação, o Phalanx Trio, não esquecendo, nesta teia de cumplicidades, o projeto Snark Horse, co-liderado por Mitchell e Gentile.
“Phalanx Ambassadors” é, em boa verdade, um disco conceptual, com as suas peças interligadas a conferirem-lhe um fio condutor nem sempre óbvio. Mitchell referiu-se a esta música como a mais desafiadora que alguma vez escreveu para uma formação, o que constitui uma afirmação de longo alcance. Resume o propósito: «Tentar fazer algo que faça sentido de forma contínua e variável, mesmo que às vezes não o faça até que faça». Okazaki acrescentou que o que aqui se escuta é portador de uma «incrível quantidade de informação». O grupo trabalhou ao longo de oito meses antes da primeira apresentação, em 2016, o que diz muito não apenas da complexidade da música, como também do compromisso dos músicos em relação a ela. Com o apoio decisivo do produtor (e guitarrista) David Torn, imergiram no universo sonoro de Mitchell, explorando as pedras instrumentais ao dispor, numa geometria que assume diferentes configurações – fazendo um uso preciso das suas potencialidades individuais e, sobretudo, relacionais.
A abrir, “Stretch Goal”, peça carregada de energia, com o piano no centro do furacão a desenhar linhas rápidas, porém fluidas e definidas, e secção rítmica efervescente. Seguem-se dois temas em que a duração é inversamente proporcional à intensidade: servido em menos de dois minutos, “Taut Prey” é um “shot” polirrítmico que reaviva velhas memórias dos Thinking Plague, grupo de rock (ainda no ativo) de que Mitchell em tempos fez parte; “Zoom Ramp”, exemplo de foco e assertividade, faz uso do fogo primordial derivado do rock.
“Phasic Haze Ramps”, nos seus mais de 16 minutos de duração – centro nevrálgico do disco, ocupando cerca de um terço da sua duração total –, começa tranquila e evolui paulatinamente para um pico de intensidade, que diria quase psicadélica, ao piano cristalino juntando-se vibrafone e guitarra, avultando ainda a baterista, exemplar na contenção e na delicadeza. “SSGG” é a peça mais introspetiva de todo o disco, com Okazaki notável na guitarra acústica.
Em contraste com os desígnios da economia circular, “Be Irreparable” evidencia uma estrutura irregular, em que bastava o intrincado motivo rítmico desenvolvido por Mitchell (atente-se no uso que faz do Prophet 6), Cass e Gentile, mas Brennan entra em cena com as suas linhas contrapontísticas a desviar o rumo da peça. “Mind Aortal Cicatrix” revê a matéria dada e inquieta pelas diferentes secções e constantes mudanças de direção e intensidade.
Matt Mitchell volta a brindar-nos com música cerebral, na melhor aceção da expressão, embora jamais desprovida de emoção, da qual retiramos proveito acrescido com múltiplas e atentas audições.
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Phalanx Ambassadors (Pi Recordings)
Matt Mitchell
Matt Mitchell (piano, mellotron, sintetizador Prophet 6); Miles Okazaki (guitarras); Patricia Brennan (vibrafone, marimba); Kim Cass (contrabaixo); Kate Gentile (bateria)