José Lencastre / Raoul van der Weide / Onno Govaert: “Spirit in Spirit – Live at Zaal 100” (FMR Records)
Com um pé na tradição do free jazz e o outro na da música livremente improvisada, o trio do saxofonista alto José Lencastre com os holandeses Raoul van dar Weide e Onno Govaert – figuras que não são estranhas aos circuitos nacionais mediante colaborações outras com músicos portugueses – tem a particularidade de equacionar os termos escolhidos de formas não propriamente coincidentes com as práticas dominantes nesses domínios ou, inclusive, na intersecção dos ditos. Há algo de teatral e extravagante, para não dizer de grandiloquente ou mesmo épico (com o doseio do humor, algo que aqui surge a rodos), no modo como os temas deste “Spirit in Spirit” se apresentam e desenvolvem. Nesse particular, há que distinguir o trabalho de Govaert: senhor de uma imaginação fértil e desbocada, sustentada num vasto conhecimento das músicas de vários locais e tempos, tem no despropósito, no inesperado, no burlesco, no bizarro até, a medida das suas intervenções baterísticas, acrescentando novos planos por impulso do momento ou por pulsão subversiva.
Poderíamos até pensar que é Onno Govaert o “joker” desta sessão gravada ao vivo no Zaal 100 de Amesterdão, mas assim não acontece. Depressa fica patente que quem cumpre essa função é Lencastre, sempre pronto a pegar num aspecto em particular daquilo que ouve e a explorar esse material com um extremado sentido de foco e inclusive, em contraste absoluto, uma minimalista quantidade de elementos. Se Govaert se destaca pelo quase histrionismo, José Lencastre impõe-se pela sua contenção e por um labor que podemos referir como laboratorial. O contrabaixo de van der Weide coloca-se a meio, ora dando suporte às súbitas convulsões de Govaert ora cobrindo as deambulações investigativas do saxofonista. Resultado: um belíssimo disco, altamente recomendável.