Paulo Chagas / Paulo Duarte / João Madeira: “Imaginary Folk Songs” (Zpoluras Archives)
E eis mais um álbum resultante deste período de confinamento. Cada um dos três músicos (Paulo Chagas em flauta e clarinetes sopranino e baixo, Paulo Duarte nas guitarras eléctrica e acústica e João Madeira no contrabaixo) compôs dois temas e gravou as suas partes em casa, improvisando sobre as estruturas pré-definidas, com Chagas a fazer a mistura final. Para esse efeito, estabeleceram dois planos: nuns casos ouvimos um dos instrumentos a solo com os outros a acompanharem, numa quase (porque menos hierárquica) clássica configuração jazzística, e noutros são três os solos combinados, remetendo-nos até, indirectamente, para os conceitos harmolódicos de Ornette Coleman. As premissas da reunião são duas: que as peças tenham a forma da canção, apesar de não haver canto, e que essa forma tenha as características do folclore, ou seja, da música popular com raízes na tradição. Folclore imaginário, como diz o título, neste aspecto introduzindo outra subtil referência, a do Workshop de Lyon, grupo fundado na França da passagem da década de 1960 para a de 70 pelo já desaparecido Maurice Merle (foi depois substituído na liderança do projecto por Jean Aussanaire) que contou com os préstimos de figuras como Louis Sclavis, Jean Bolcato e Christian Rollet.
Mas não, quem procurar em “Imaginary Folk Songs” uma fusão jazz/folk ou algum tipo de etno-jazz estará ao engano. Trata-se, isso sim, de uma introjecção na moldura do jazz de materiais – melódicos, sobretudo – que, com outro tratamento, poderiam ser folclóricos de facto, ainda que não nos circunscrevam numa geografia em particular. Virá, daí, talvez, o facto de as faixas terem nomes em várias línguas. Aliás, os resultados mostram particulares afinidades com o jazz de câmara, e não apenas porque não existe uma bateria. O trabalho dos clarinetes e da flauta, bem como o do contrabaixo, frequentemente tocado com arco, lembra-nos por vezes o Berio das “Sequenzas” ou um Lachenmann, com a guitarra fortemente processada a tecer envolvimentos orquestrais. Pois aqui está música da boa, feita na sala-de-estar.