E. Rodrigues / M. Almeida / G. Rodrigues / A. Hencleeday / J.B. Parrinha / J. Silva / C. Santos / J. Valinho: “Spiegel II” (Creative Sources)
Pelo número de nomes que vêm na ficha técnica, este “Spiegel II” seria, supostamente, um disco gravado em octeto, mas a verdade é que tal apenas acontece na primeira faixa. Na segunda, os oito músicos – Ernesto Rodrigues, Miguel Almeida, Guilherme Rodrigues, André Hencleeday, José Bruno Parrinha, João Silva, Carlos Santos e João Valinho – tocam com a gravação anterior, assim formando um ensemble de 16 elementos, e na terceira actuam com os dois registos efectuados a partir dessas intervenções, alargando a formação para 24 “vozes”. Como o próprio título indica em Alemão, utiliza-se o conceito de espelho, de reflexo e refracção, e designadamente a noção de que a distância dos objectos é considerada positivamente, mas já a distância das imagens é ora considerada positiva quando se trata de imagens reais, ora negativa quando as imagens são virtuais. As imagens sonoras aqui contidas eram reais e virtuais para os músicos no momento das execuções II e III e reais apenas na execução I – para nós, ouvintes, são necessariamente todas virtuais. O que experienciamos são os reflexos e as refracções na nossa percepção auditiva.
Deste modo, surge-nos mais um questionamento e uma problematização do que entendemos como improvisação livre. Esta pode ter sido efectiva nos primeiros quase 26 minutos do CD – isso se considerarmos que os próprios instrumentos, os estados de espírito dos executantes, o ambiente da sala (O’culto da Ajuda, em Lisboa, a 19, 20 e 21 de Novembro de 2019), o que os músicos comeram ao jantar, as deixas fornecidas em tempo real pelos outros intervenientes, etc., etc., não funcionam já como “pauta” –, mas nas demais sequências fica claro que as improvisações acrescentadas tomam as gravações como partitura base. Para além do jogo realizado com quem toca ao lado, houve que verificar onde havia espaços que pudessem ser ocupados, o que poderia ser sublinhado ou complementado e o que se poderia fazer em contraposição. O procedimento daria para enormes discussões sobre que liberdade é essa da improvisação, mas há também um outro interessante plano a considerar: sendo as estratégias utilizadas as do chamado reducionismo, que age por diminuição, o que temos neste disco é acrescento, precisamente o contrário da utopia “near silence”. E, no entanto, tais parâmetros estéticos subsistem, o que dá bem conta das apuradíssimas perspectivas de medida por parte de todos e cada um dos contribuintes. Se esta é uma música conceptual, a tradução prática – o outro lado do espelho – tem mais do que suficientes argumentos para valer por si mesma.