Miles Perkin Quartet: “The Point in Question” (Clean Feed)
Clean Feed
«Respire fundo.» Quando o médico o pede, percebemos finalmente que respiramos. Uma coisa tão natural que quase nos esquecemos que fazemos. O processo acaba em «expire» e, à medida que exalamos, sentimos o ar a sair até ao fundo. A música de Miles Perkin soa assim. As composições falam de espaço livre, de paisagens, de nuvens. As notas são escassas, longas, e vão burilando um percurso cheio de ar. “Sea Drop”, a terceira música do lado B (sim! “The Point in Question” vem em CD, mas também em LP, e foi essa a versão usada para este “test-drive”) é um bom exemplo do que o disco tem para oferecer, com um andamento grave, pausado, uma linha de contrabaixo excelente, que impulsiona os improvisadores para um terreno inesperado e intenso que os deixa novamente no caminho inicial. “Blue Cloud”, que fecha o disco, é a minha favorita. São os dois temas finais que libertam o clima de intensidade silenciosa que prevalecia nos cinco anteriores. Perkin guardou o melhor para a expiração, como fazia Wagner.
O som do álbum é parcialmente definido pela percussão, com um bater seco. Jim Black, já o sabemos, tem uma forma de tocar única em que parece que a bateria se está a desmontar e em que as cadências se atrasam e adiantam, suspendem, para no final a coisa bater toda certa. O contrabaixo do líder do grupo constrói uma base grave, contínua, que parece vinda de um disco de dub, com um ressoar pesado e profundo. Está montada a secção rítmica sobre a qual os dois solistas – piano e trompete – flutuam. Magnífico, o diálogo entre os dois da frente, com um respeito enorme pelo espaço de cada um e a vontade de manter a música propositadamente pura numa estrada onde várias pequenas surpresas nos vão mantendo interessados. O quarteto toca pensativo. Nada soa a “new age”, nada soa a ambiental, esclareça-se: é uma música presente, que se afirma a quem a ouve, mas tem frinchas desocupadas pelo som, preenchidas apenas pelo espaço (não pelo silêncio).
Perkin começou a sua carreira em Montreal, onde passou a integrar a cena da Musique Actuelle da cidade. Deixou o Canadá com dois discos gravados, foi para Nova Iorque estudar com Mark Helias e depois rumou à Europa, estabelecendo-se em Berlim. O Miles Perkin Quartet surgiu em 2011 com o britânico Tom Arthurs no trompete, o francês Benoit Delbecq no piano e o também canadiano Thom Gossage na bateria. O contrabaixista passou a ser um membro activo da Echtzeitmusik berlinense e uma presença regular no jazz europeu.
O “cerne da questão" deste disco pode ser especulado: para quê escrever música para um grupo de improvisadores? É uma pergunta que tem sido frequentemente colocada por muitos músicos que percebem os mecanismos da improvisação total. A resposta neste caso parece ser: para que a memória complete intuitivamente as coisas incompletas. Melodias lindíssimas que nos são oferecidas em pequenas doses homeopáticas, para logo depois se desmaterializarem. Como quem finalmente percebe a importância de uma coisa tão natural e respira fundo.
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The Point in Question (Clean Feed)
Miles Perkin Quartet
Miles Perkin (contrabaixo); Tom Arthurs (trompete); Benoît Delbecq (piano); Jim Black (bateria)