Human Rites Trio

Jason Kao Hwang: “Human Rites Trio” (True Sound)

True Sound

António Branco

O tempo, como sabiamente escreveu Machado de Assis, é um químico invisível, que dissolve, compõe, extrai e transforma. Há década e meia, na insuspeita cidade de Tondela, assisti a uma atuação do trio do baterista / percussionista Ravish Momin, no qual oficiavam o violinista / violetista Jason Kao Hwang e, excecionalmente, o contrabaixista Ken Filiano (chamado à última hora para substituir o também alaudista Shanir Ezra Blumenkranz, que ficara retido em Washington por causa do mau tempo, após um concerto com John Zorn). No mesmo festival testemunhei também a estreia europeia do trio de um baterista que então desconhecia, chamado Andrew Drury (do trio faziam também parte a pianista Myra Melford e o clarinetista e saxofonista Chris Speed) e uma memorável atuação a solo de Filiano.

Pouco tempo depois, Hwang, Filiano e Drury reunir-se-iam no quarteto Edge (que se completava com o cornetista Taylor Ho Bynum) para uma primeira gravação. Uma estreita cumplicidade musical que continuaria a desenvolver-se nos anos seguintes, em contextos musicais distintos, como no grupo de cordas (mais bateria) Spontaneous River, no octeto Burning Bridge, no quinteto Sing House e, de forma mais íntima, neste Human Rites Trio.

Da junção de talentos e experiências tem brotado uma música de difícil catalogação, que congrega elementos de proveniência diversa, do free jazz à erudita, passando pela livre improvisação e pelas tradições orientais. O registo que ora escutamos foi terminado já durante a pandemia de Covid-19 e pretende honrar o trabalho de médicos, enfermeiros e outros profissionais da linha da frente que ajudaram a salvar vidas apesar das terríveis circunstâncias. Em notas de apresentação, Hwang dedica-o também a todos quantos não conseguiram escapar às garras desta doença que mudou por completo as dinâmicas de relacionamento social que tínhamos por adquiridas.

Os três virtuosos músicos são reconhecidos pela exploração que fazem das potencialidades colocadas à disposição pelos respetivos instrumentos. As vozes individuais entrelaçam-se de forma tal que a cada momento os nossos sentidos são impactados de modo imprevisível e profundamente intencional, criando laços firmes que unem músicos e ouvintes. A música do Human Rites Trio foi objeto de decantação em vários concertos, num processo que motivou descobertas que surpreenderam os próprios músicos.

Em “Words Asleep Spoken Awake”, dividida em duas partes, a escrita de Hwang é catalisadora de operações de alquimia sónica assentes na interação entre os cordofones em torvelinho e sublinhada pela percussão tão agitada quão meticulosa de Drury. O versátil violino tanto chega a soar como um instrumento de sopro, como desenha a mais pungente das melodias. Filiano é, como sempre, soberbo no uso do arco, criando texturas que abrem alas para um solo de Drury. Hwang retoma o comando, reintroduzindo um motivo melódico que conduz à seção final.

“Conscious Concave Concrete” exibe uma atmosfera inesperadamente tingida de blues, com Hwang a desenvolver na viola (em “pizzicato”) a trave central – com ecos da música coreana, mas parecendo quase um banjo –, suportada por uma poderosa prestação de Filiano, que Drury complementa com irresistível “groove”. O cruzar de fronteiras estéticas está de novo exemplarmente patente em “2 AM”, de que avultam a linha assimétrica explorada por Filiano, em tandem com o violino e depois autónoma, e a bateria efervescente.

“Battle for the Indelible Truth” inicia-se com um expressionista esfregar das cordas, de que emergem contrastantes fragmentos melódicos explorados por Hwang, como que dando conta das experiências multiculturais que vivenciou desde a era dos “lofts” no Lower East Side nova-iorquino. A terminar, “Defiance” retoma as influências orientais, nos ziguezagues das cordas e na melodia que se desenvolve, equilibrando o material previamente fixado com as improvisações que dele emanam.

Prova de que não se rege por princípios algébricos, a música do Human Rites Trio é um espaço de partilha onde tudo é possível.

  • Human Rites Trio

    Human Rites Trio (True Sound)

    Jason Kao Hwang

    Jason Kao Hwang (composição, violino, viola); Ken Filiano (contrabaixo); Andrew Drury (bateria)

Agenda

25 Março

Duke Ellington’s Songbook

Sunset Jazz - Café 02 - Vila Nova de Santo André

25 Março

Mário Laginha com Orquestra Clássica da Madeira

Assembleia Legislativa da Madeira - Funchal

25 Março

The Rite of Trio

Porta-Jazz - Porto

25 Março

Sofia Borges (solo) “Trips and Findings”

O'culto da Ajuda - Lisboa

25 Março

George Esteves e Kirill Bubyakin

Cascais Jazz Club - Cascais

25 Março

Katerina L’Dokova

Auditório ESPAM - Vila Nova de Santo André

25 Março

Kurt Rosenwinkel Quartet

Auditório de Espinho - Espinho

26 Março

Giotto Roussies Blumenstrauß-Quartett

Cantaloupe Café - Olhão

26 Março

João Madeira, Carlos “Zíngaro” e Sofia Borges

BOTA - Lisboa

26 Março

Carlos Veiga, Maria Viana e Artur Freitas

Cascais Jazz Club - Cascais

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