Tatsuya Nakatani / Shane Parish: “Interactivity” (Cuneiform)
Cuneiform
Tatsuya Nakatani e Shane Parish são mestres a desenvolver abordagens pouco convencionais aos respetivos instrumentos. O percussionista nascido no Japão (a viver atualmente na cidade de Truth or Consequences, no Novo México) e o guitarrista norte-americano (natural de Asheville, Carolina do Norte) têm dado mostras, ao longo dos respetivos percursos enquanto livres improvisadores, do seu apreço por correr riscos e elaborar a partir do zero.
Ativo internacionalmente desde o início da década de 1990, Nakatani é conhecido também pelo “kit” pouco habitual que utiliza: a tambores e címbalos convencionais junta outros acessórios mais inusitados, como taças e sinos de diferentes origens, e um gongo que toca com o arco Kobo feito à mão («o Kobo é arte feita por um artista para outro artista fazer a sua arte, não é um produto comercial; de certa forma, o Kobo é uma relação», esclarece o percussionista no seu sítio na internet). Observá-lo em ação é quase tão fantástico como escutá-lo.
Conhecemos Parish sobretudo como metade do duo Ahleuchatistas, responsável por uma mistura inclassificável de rock experimental, jazz, folk e tanto mais (redescubra-se com urgência o notável “Heads Full of Poison”, de 2012, também na Cuneiform). Tem colaborado igualmente com a guitarrista e banjoísta Wendy Eisenberg e outros. A sua abordagem denuncia influências da Americana e do country-blues de luminárias como John Fahey, Mississippi John Hurt e Robbie Basho.
A colaboração entre Parish e Nakatani vai para quase uma década. “Interactivity” é o seu segundo fruto discográfico e dá continuidade às explorações inauguradas em “Last Night Now”, de 2013. Como bem sumariza Parish nas notas de apresentação: «Existe muita confiança entre nós, o que pode ser ouvido no desenvolvimento formal espontâneo das peças e nas nossas ações-reações cinéticas. Desligamos os nossos cérebros pensantes e partimos numa viagem.»
Constituem “Interactivity” – registo gravado ao vivo durante uma atuação da dupla na loja de discos e espaço de concertos Static Age, Asheville, na primavera de 2018 – três peças completamente improvisadas que espelham a alquimia musical que se estabelece entre ambos e que tira partido do facto de, a par de executantes superlativos, serem igualmente cultores da audição do que se passa à sua volta. Na primeira, “Threadbare”, de atmosfera mais serena, aos dedilhados límpidos da guitarra acústica de Parish junta-se a percussão tentacular de Nakatani. Fragmentos melódicos mais contemplativos vão-se montando, desmontando e remontando, contrastados pelos sons por vezes tempestuosos de Nakatani.
A efervescência de “Sight Lines” mostra um Parish mais enérgico e a subir a parada na interação com o percussionista, que continua as suas ruminações de resultados sempre imprevisíveis. Quase no final, quando Nakatani passa o arco pelos seus gongos, parece produzir um som eletrónico, embora saibamos de antemão que tudo aqui é acústico. As ilusões auditivas continuam no dealbar de “Embarkation”, com o percussionista a usar o arco Kobo de tal forma que parece um violino (ou um contrabaixo, em certas passagens mais graves). Nesta peça de duração superior a uma vintena de minutos, que parece segmentada em diferentes “andamentos” que evoluem paulatinamente sem prévia combinação, é Nakatani, com a sua percussão multidimensional, quem ilumina o caminho, com o guitarrista a abrandar (os suaves dedilhados chegam a ser encantatórios) ou a acelerar o passo no seu encalço.
A música que se escuta em “Interactivity” é de tal modo luxuriante e rica em pormenores, mudanças de direção e surpresas, que faz esquecer o facto de ser engendrada por apenas duas mentes criativas e seus (quase naturais) prolongamentos instrumentais.
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Interactivity (Cuneiform)
Tatsuya Nakatani / Shane Parish
Tatsuya Nakatani (percussão); Shane Parish (guitarra)