Oya Sextett: Live! (Signal and Sound Records)
Signal and Sound Records
Depois de muito peneirar as novidades jazzísticas inglesas, eis que surge uma pepita. E das grandes. Só que não vem de Inglaterra, nem dos Estados Unidos, mas da Escandinávia, que está pejada de ouro musical. Sem a máquina de promoção inglesa, mas com muitos apoios dos Estados para os criadores, o Norte da Europa tem-se afirmado no jazz mundial com naturalidade, sem alardo, com excelentes executantes e propostas musicais originais. Sem a preocupação de alinhar pelas “trends” mais mercantis, prova que o melhor é ir à antiga, em vez de seguir o que aparece na Net – ou seja, pelos nossos dedos, vasculhando nos escaparates.
Foi Jazz Messengers, em Lisboa, que me apareceu uma grande capa. Virada, informava sobre uma série de canções que conhecemos dos sul-africanos que se exilaram em Inglaterra nos anos 1960: “Do It”, de Chris McGregor; “The Bride”, “Sonia” e “Mra”, de Dudu Pukwana; um dos meus temas favoritos do jazz, “You Ain’t Gonna Know Me ’Cos You Think You Know Me”, de Mongezi Feza; “Khanya Apho Ukhona”, de Louis Moholo; “Amaxesha Osizi”, de Ndaba Majola. E esta edição em vinil traz um CD de bónus que adiciona “Ithiqi”, de Johnny Dyani.
Brancos, nórdicos, abastados, a tocarem música negra, de exilados. Arrisquei. Vamos por um caminho semelhante ao traçado por Shabaka Hutchkins com The Ancestors, mas de modo muito diferente. Aqui, a música sul-africana não é uma “inspiração” e sim ela própria. É a recuperação do pequeno “songbook” deixado por aquela geração e que tem sido pouco trabalhado. Inclui até um tema de Ndaba Majola: quem é que o conhece? Completamente subterrâneo, foi um comediante / ministrel / músico de Durban que se instalou em Johannesburg. O tema dele apresentado neste disco é lindíssimo e mostra-nos bem o grau de conhecimento profundo destes músicos sobre a produção sul-africana.
É uma música de investigação, tocada com coragem, ideias e vontade de experimentar e jazzar: solos desabridos, atirados para a frente, do trompete e dos saxofones. Fantásticas melodias originais, bateria e contrabaixo em alegre corrida, um grupo super coeso, com boa gravação ao vivo e com liberdade. Ouvimos com mais nitidez em “You Ain’t Gonna Know Me ’Cos You Think You Know Me” ou “Mra” a proposta dos Oya: os originais são bem percebidos, é mantida a sua alegria natural e a sua vivacidade, conservada a força rítmica e muito respeitadas as melodias, mas tudo tocado sem medo de acrescentar coisas novas. Não é um disco taxidérmico, mas sim uma revisitação viva de uma música excepcional.
No primeiro caso - “You Ain’t Gonna Know Me ’Cos You Think You Know Me” -, a melodia é tratada com enorme respeito pela sua enorme beleza formal – é uma canção comovente – e pelos vários elementos que transporta, que são incongruentes e que interferem com a sua aparente perfeição: a composição é como uma escadaria de Escher, a ilusão de uma espiral contínua que vai subindo sem sabermos como volta ao mesmo local para voltar a subir.
Entre os sopros está uma dupla de saxofones tenor e alto cheia de energia e força. Os expressivos e apaixonados solos criam uma dinâmica de força e vitalidade que faz renascer a alegria original destes temas. O trompetista Niklas Barno é igualmente claro e conciso, interessado em fazer a coisa vibrar, cheio de capacidade melódica. A acompanhar estão um piano, um contrabaixo e uma bateria numa paridade interessante. Fortes, impulsionam a banda e dão-lhe estrutura. A bateria é ansiosa, vibrante; quer manter o passo estugado e a dança. O contrabaixo alimenta esta movida.
Ora aqui está um grande disco, que se ouve repetidamente e com prazer. Adquirir este álbum é poupar, porque nunca sai do gira-discos.
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Live! (Signal and Sound Records)
Oya Sextett
Anna Hogberg (saxofone alto); Erin Larsson (saxofone tenor); Niklas Barno (trompete); Sebastian Bergstrom (piano); Vilhelm Bromander (contrabaixo); Konrad Agnas (bateria)