Bill Nace: “Both” (Drag City)
Drag City
No edifício Libeskind, em Berlim, há um poço de betão. O edifício ziguezagueia com paredes angulosas e numa das salas saímos para um enorme fundão, depois de uma pesada porta metálica que fecha atrás de nós com o som da tampa de um caixão. Conseguimos ver um pouco do céu e ouvir um pouco da cidade. O poço é simultaneamente pacificador e incrivelmente angustiante e desorientador. O novo disco do guitarrista Bill Nace parece falar-nos deste contraste: não tendo sido feito com essa intenção, parece o paradoxo certo para falar deste momento em que vivemos, com cidades exaustas, saturadas, rápidas, intensas e... subitamente suspensas. A que é que soa a suspensão?
Nos últimos 15 anos Bill Nace tem sido um guitarrista activo na cena musical americana, tanto na improvisação como no rock desalinhado. Tocou com músicos que também flutuam entre o jazz, o rock e o pós-rock como Joe McPhee, Yoko Ono, Chris Corsano, Thurston Moore ou Kim Gordon (dos Sonic Youth, com quem toca no duo Body/Heat, que esteve na ZDB em 2013), para nomear apenas alguns. Apesar de ser uma presença regular nos palcos e de marcar presença numa vasta discografia como “sideman”, Nace continua um desconhecido: a sua música circula por um grupo restrito de pessoas, naquele suporte asqueroso agora inexplicavelmente ressuscitado, a cassete.
Surpreendentemente, “Both” é o seu primeiro disco a solo, um disco longamente desejado de solos. A primeira coisa que é preciso dizer é que Nace tem coisas novas para dizer na guitarra e que estão 10 anos de trabalho condensados nestes oito temas com abordagens originais. O som é denso, saturado, como uma chuva agitada e intensa à noite. A primeira sensação escura rapidamente se desfaz quando começamos a descobrir que, à volta das grandes unidades que estruturam cada peça, existe uma imensa variedade de texturas e cores. São pequenos acontecimentos que circundam e completam os grandes monólitos: não são pedras rolantes, mas sim menires que se mexem. São pormenores, sons planeados ou parasitas, mas que fazem uma música em dois planos, um cenário no fundo e um primeiro plano onde diversas personagens se encontram, falam brevemente e seguem o seu caminho. A guitarra de Nace faz canções num ambiente fabril, cheio de sons metálicos, aparentemente ruidosos, mas que se encontram num colectivo lógico, lento e até melodiosamente atraente.
Depois de um período de enorme experimentação com Derek Bailey, Fred Frith, Eugene Chadbourne, Henry Kaiser, Keith Rowe, Sonny Sharrock, Elliott Sharp e Loren Mazzacane Connors, a guitarra eléctrica tem tido dificuldade em encontrar músicos que consigam explorar os seus limites e possibilidades. “Both” é um disco que não abre portas, mas dá-nos uma imagem inovadora do instrumento e mostra que ainda há caminhos por andar. O título explica-se numa entrevista:
«Q: Did you feel like it was time to do a solo album, or was this just something that happened?
A: Both.
Q: Would you call this an improvised record, or is it more through-composed?
A: Both.
Q: Do you like doing studio recordings like this, or are you more a live guy?
A: Both.
Q: You present a lot of melodies, albeit in unconventional ways – but the album has a fine digital precision to it, a beat that emerges in the end. Does the melodic portion come first, or the sense of rhythm to a piece?
A: Both.»
“Both” é um disco para quem precisa de uma limpeza ao cérebro feita a escovilhão. Saiu em LP, como é habitual na Drag City, o formato que faz melhor uso da boa capa desenhada entre pretos e brancos por Daniel Higgs.
-
Both (Drag City)
Bill Nace
Bill Nace (guitarra eléctrica, efeitos)