Rodrigo Pinheiro / Pedro Carneiro: “Kinetic Études” (Phonogram Unit)
Phonogram Unit
Este disco vem com a Primavera e promete-nos que bons dias, e boa energia, estão para vir – justamente o que mais precisávamos no actual cenário pandémico para retemperar forças e começarmos a viver plenamente. É como um “wishful thinking” em formato musical. Sendo algo que combina o piano de Rodrigo Pinheiro e a marimba (com extensão microtonal, anuncia-se na ficha técnica) de Pedro Carneiro, as expectativas ficam desde logo no topo. A audição de “Kinetic Études” cumpre em pleno. Pinheiro parte da linguagem do jazz, numa musovisão que assenta nos legados de Thelonious Monk e Cecil Taylor, enovelando-se estes com referências eruditas que passam por Ligeti e Messiaen, enquanto Carneiro faz o trajecto inverso, introduzindo fórmulas que lembram Xenakis ou Takemitsu numa “improv” que é tão reactiva, tão de escuta do outro, quanto proactiva.
Por esta altura, Pinheiro dispensa apresentações ao leitor desta revista, mas lembremos os muitos projectos em que está envolvido: Red Trio, NAU Quartet, Clocks & Clouds, earnear, quarteto com Ricardo Toscano, Miguel Mira e Gabriel Ferrandini, trio com Pedro Sousa e Gabriel Ferrandini e ainda um trio com a saxofonista Lotte Anker, além de outras incursões. O nome de Pedro Carneiro poderá ser menos familiar para os ouvintes do jazz, pelo facto de o seu percurso se fazer, sobretudo, nos meios da música clássica e contemporânea. Ainda assim, o também maestro da Orquestra de Câmara Portuguesa e da Jovem Orquestra Portuguesa tem uma actividade intermitente no domínio da música improvisada, ao lado de músicos como Carlos “Zíngaro” (com os restantes elementos da Nuova Camerata) e Ernesto Rodrigues (incluindo o IKB ou a formação de “The Book of Spirals”), estando para edição em breve colaborações com Pedro Melo Alves, em duo e inserido no Omniae Large Ensemble, com “Zíngaro” em duo ou com o NAU Quartet de José Lencastre. Na área do jazz, mais especificamente, integrou um grupo conduzido por Michael Mantler em que também esteve envolvido o trombonista Roswell Rudd. Tocou ainda com Joshua Redman no contexto da obra “View From Olympus” de John Psathas e o seu solo improvisado no duplo “Improbable Transgressions” foi processado por figuras da EAI (“electro-acoustic improvisation”) como Chris Brown, Cristian Vogel, Stephan Mathieu, Ralf Wehowsky e Brandon LaBelle, entre outros.
Se a associação de piano e marimba é bastante invulgar, e por isso mesmo especialmente atraente, inclusive porque não tem parâmetros já previamente definidos, são os músicos eles próprios e não os instrumentos que nos cativam a audição. Rodrigo Pinheiro e Pedro Carneiro são dois virtuosos no bom sentido, ou seja, colocam a muita técnica de que dispõem completamente ao serviço da música, importando mais os resultados obtidos do que o exibicionismo das suas capacidades. Mas mais importante do que isso é a abertura que demonstram relativamente ao “outro”, revelando uma flexibilidade que é muito mais do que adaptação: é a capacidade de aderir ao que o outro propõe respondendo com a sua inteira personalidade, recusando o estabelecimento de compromissos fixos ou mínimos denominadores comuns. O que aqui vem, em permanente, mas diferenciada, gestão de energias cinéticas, é uma sensível e inteligente forma de chegar à concórdia por meio do conflito. Quando falamos uns com os outros chama-se a isso “debate” ou “conversa” – na música, chamamos ao debate… música.
“Kinetic Études” estará disponível no Bandcamp a partir de 1 de Abril, com a edição em formato físico a ficar disponível no final do mês. Juntem os tostões, que este é um dos melhores discos editados em Portugal nos últimos anos. Uma pérola.
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Kinetic Études (Phonogram Unit)
Rodrigo Pinheiro / Pedro Carneiro
Rodrigo Pinheiro (piano); Pedro Carneiro (marimba com extensão em quartos de tom)