Otro Cielo

Demian Cabaud: “Otro Cielo” (Carimbo Porta-Jazz)

Carimbo Porta-Jazz

Rui Eduardo Paes

Este é um disco de diáspora. Não necessariamente da diáspora de um povo, apesar de muitos outros argentinos se terem espalhado pelo mundo, mas de uma música, o jazz (música de origem norte-americana que se tornou universal), no caso personalizada na figura do contrabaixista e compositor Demian Cabaud, argentino, mas há longos anos residente no Porto e parte da cena portuguesa desta música que constantemente desafia as linhas de separação e união do escrito e do improvisado (com, também, uma presença de assinalar na vizinha Galiza). Este “otro cielo” é o portuense, mas com a carga cultural da origem geográfica do músico, volta e meia perceptível em certas adopções melódicas, e não só, da música popular que vem desse outro lado que nestes temas se reflecte.

E se há, ainda, “este céu”, porque a música revela igualmente os preceitos especificamente portugueses/europeus que o jazz por cá praticado foi congregando – afinal, são da prata da casa os músicos que acompanham Cabaud, designadamente João Pedro Brandão, José Pedro Coelho, João Grilo e Marcos Cavaleiro –, o jazz que se toca neste CD, se é o planetário, não descola particularmente do original: um pós-bop que se fideliza relativamente às raízes da tendência e que hora lembra os Jazz Messengers de Art Blakey, ora nos transporta – pelo menos para este ouvidor, porque outros tipos de escuta se proporcionam – para as inovações introduzidas por “mavericks” como Andrew Hill, Herbie Nichols ou Lennie Tristano. Aliás, não me parece ser coincidência que todos estes três fossem pianistas – o trabalho aqui desenvolvido por João Grilo ao piano chama particularmente a atenção no que respeita a esse legado.

Os uníssonos (e, por vezes, contrapontos) dos dois saxes são claríssimos quanto ao quadro de referências que temos diante de nós: funcionam como uma marca, um compromisso estético e histórico. E, no entanto, soam muito diferentemente, são mais elásticos, mais moles por assim dizer, levando os preceitos hard bop para âmbitos menos hard que não menos bop. Por vezes até muito longe nas implicações exploradas: os maquinismos de “Conversas Cruzadas” poderiam parecer deslocados do contexto, mas o certo é que fazem todo o sentido, muito em especial porque de seguida vem “Sueños”, iniciando-se este com um assinalável solo com e sem arco de Demian Cabaud, logo depois a explosão free jazz de “Palestina” e “Sin Sombra”, com as suas leves alusões clássicas (nos primeiros minutos pelo menos, e via Dolphy, com Brandão na flauta). Estão neste disco expostos os motivos por que este migrante do jazz ocupou um lugar tão importante na cena nacional. Para ouvir com toda a atenção.

  • Otro Cielo

    Otro Cielo (Carimbo Porta-Jazz)

    Demian Cabaud

    Demian Cabaud (contrabaixo); João Pedro Brandão (saxofone alto, flauta); José Pedro Coelho (saxofone tenor); João Grilo (piano); Marcos Cavaleiro (bateria)

Agenda

23 Setembro

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