Guilherme Rodrigues / Mariana Carvalho / Ernesto Rodrigues / João Valinho: “Eclipse” (Creative Sources)
Creative Sources
Se são já muitos os títulos em que podemos encontrar a dupla de pai e filho constituída por Ernesto Rodrigues e Guilherme Rodrigues, este destaca-se pelo facto de a eles se juntarem dois músicos que, apesar dos efeitos da pandemia, vêm conquistando um lugar próprio (e bem merecido) no circuito nacional da livre-improvisação, a pianista Mariana Carvalho e o baterista/percussionista João Valinho. Não só, mas também: “Eclipse” tem a particularidade ainda de, nele, o pai Rodrigues surgir não com a sua habitual viola, mas com uma harpa ligada a dispositivos electrónicos.
O que nos traz este disco de estúdio – outra característica distintiva, sabendo-se que Ernesto e Guilherme valorizam as gravações ao vivo – é um enfoque no factor “vibração”. Tudo aqui vibra: as cordas do violoncelo, do piano e da harpa, os processamentos digitais desta última, as peles e os metais da percussão, com a procura dessa dimensão vibracional, da criação de harmónicos e “overtones”, definindo por inteiro a abordagem ultra-minimalista e de “drone music” às duas peças de longa duração reunidas, “Solar Eclipse” e “Lunar Eclipse”. Aqui, os dois Rodrigues estão bem longe das coordenadas do reducionismo ou do chamado “near-silence” que foram, e até certo ponto ainda têm sido, as suas, embora os parâmetros sejam equivalentes: recurso a poucos materiais, exclusiva utilização de texturas, diminuição do volume até ao extremo.
Este vector vibracional acaba por reforçar algo que vem particularizando os dois Rodrigues nestes últimos anos: uma música que é cada vez mais atmosférica (não digo “ambiental” para ficarem bem marcadas as distâncias relativamente ao ambientalismo de Brian Eno), cada vez mais misteriosa e intrigante (servindo bem o tema astronómico escolhido, com recursos que nos remetem inevitável e pluralmente para as abordagens cósmicas de Sun Ra e da tendência por este aberta no jazz, do krautrock que se fascinou pelas estrelas, do black metal mais experimental e abstracto – aquele menos metal e mais black, o black do negrume espacial – e da música electrónica “lowercase”) e cada vez mais imagética (com o tipo de imagens que só a nossa imaginação, mais do que o cinema ou o vídeo com “efeitos especiais”, nos proporciona.
De certa maneira, com as pontes contribuídas por Carvalho e Valinho, é como se Ernesto e Guilherme Rodrigues se cruzassem por meio desta edição com o universo de Rafael Toral. Depois disto, desta inesperada convergência de conceitos e práticas com os desse outro grande nome da música criativa portuguesa, bem que não seria de estranhar uma futura colaboração Rodrigues/Toral. É sempre fascinante quando músicos com percursos tão distintos acabam por se encontrar nos mesmos descampados. Ou, no caso, nos mesmos sistemas solares.
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Eclipse (Creative Sources)
Guilherme Rodrigues / Mariana Carvalho / Ernesto Rodrigues / João Valinho
Guilherme Rodrigues (violoncelo); Mariana Carvalho (piano); Ernesto Rodrigues (harpa, electrónica); João Valinho (percussão)