Rua Herval

Marco Scarassatti: “Rua Herval” (Homeless – Low Fi)

Homeless – Low Fi

Rui Eduardo Paes

Quando Marco Scarassatti iniciou o tríptico que com este “Rua Herval” se conclui, depois de “Novelo Elétrico” e “Casa Acústica”, mal este poli-instrumentista, compositor e improvisador originário de São Paulo, mas com residência em Belo Horizonte, adivinhava que o álbum seria produzido em pleno período pandémico. O que nele encontramos reflecte inteiramente a nova realidade em que todos nos vimos envolvidos (um “todos” confirmado pela edição chilena desta obra que tem como subtítulo “Escutas e Derivas de Um Apartamento”): ao contrário de “Novelo Elétrico”, não procedeu a processamentos dos espaços acústicos captados, e, diferentemente de “Casa Acústica”, não cruzou as “field recordings” aqui montadas com quaisquer improvisações instrumentais: este é um disco de atenção ao que está à volta, numa atitude de recolhimento que só não é passiva porque os mecanismos de percepção são intencionalizados e operacionalizados.

São três as peças: uma, “Quarentena em Quatro Janelas”, gravada dentro de casa, mas com atenção ao que vem de fora, das ruas; outra, “Memória de Fogo”, com pendor concretista, tanto assim que é impossível identificar a maior parte das fontes sonoras; e uma última, “Deriva Estática”, em que um passeio solitário pelo bairro em que vive é registado por um capacete microfonado. Os resultados são de uma enorme beleza, mas o seu despojamento formal e de conteúdos é contrariado por uma dramatização que depressa percebemos não provir apenas do condicionamento auditivo do autor pelas emoções próprias do confinamento: o que ouvimos é também moldado por nós, ouvintes finais, e pelos nossos vivenciamentos da reclusão.

Scarassatti notabilizou-se pela utilização de instrumentos inventados, por si mesmo ou pelo seu mestre Walter Smetak, esculturas para usufruto visual que têm a particularidade de emitir som, bem como de outros da tradição rural brasileira, seja em contexto experimental ou no da música livremente improvisada. Neste últmo domínio são de realçar as suas parcerias com portugueses como Carlos “Zíngaro”, Pedro Carneiro, João Pedro Viegas e Abdul Moimême, entre outros. O seu interesse pelo “soundscaping” surge de uma forma muito implícita, como extensão do trabalho de escuta determinado pela prática improvisacional, de escuta dos outros (músicos, público), das situações e das arquitecturas. Neste aspecto, o que nos propõe é como que um reverso do que fazia John Cage: se este procurava diluir o factor musicalidade no espectro maior do “ruído” e do “silêncio”, Marco Scarassatti inscreve-os na música, musicando-os de modos vários.

  • Rua Herval

    Rua Herval (Homeless – Low Fi)

    Marco Scarassatti

    Marco Scarassatti (“field recordings”)

Agenda

28 Março

Daniel Levin e Samuel Ber / Biliana Voutchkova e Luka Toyboy

Sonoscopia - Porto

28 Março

Savina Yannatou, Julius Gabriel, Agusti Fernández, Barry Guy e Ramon López

Porta-Jazz - Porto

30 Março

Johannes Gammelgaard

Café Dias - Lisboa

30 Março

Pedro Branco e João Sousa “Old Mountain”

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

30 Março

Marmota

Casa Cheia - Lisboa

30 Março

Filipe Raposo e Uriel Herman “Dois pianos, um universo”

Centro Cultural de Belém - Lisboa

30 Março

Inês Camacho

Cossoul - Lisboa

30 Março

Abyss Mirrors Unit

ZDB - Lisboa

30 Março

Daniel Levin, Hernâni Faustino e Rodrigo Pinheiro

Biblioteca Municipal do Barreiro - Barreiro

31 Março

Blind Dates

Porta-Jazz - Porto

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