Simão Costa: “Beat With Out Byte” (Cipsela)
Cipsela Records
Pianista com formação clássica e um percurso como compositor electroacústico em práticas de transdisciplinaridade, combinando som, imagem (fotografia, vídeo, cinema) e artes performativas (dança, teatro, novo circo) na tradução de conceitos que intersectam a arte, a ciência e a tecnologia, Simão Costa tem neste novo “Beat With Out Byte” aquela que será, no entender deste ouvidor, a sua mais relevante obra até à data.
Com lançamento amanhã mesmo, 22 de Maio, em concerto marcado para o Salão Brazil (Coimbra), neste álbum encontra-mo-lo de regresso ao piano, o seu primeiro instrumento (nestes últimos anos vinha centrando a atenção na programação dos “softwares” Max, MSP e Jitter), ainda que este (piano) convertido num meta-instrumento por meio de complexas preparações e de aplicações motóricas para vibração das cordas interiores. Se tais processos não são propriamente novos nos domínios da música contemporânea (a partir de pioneiros como Henry Cowell e John Cage) e do jazz “avant-garde” (com nomes como Denman Maroney ou Benoit Delbecq), Costa faz deles uma apropriação radical (no duplo sentido de ser levada ao extremo e aprofundada até à raiz das implicações em causa) que, ao piano, só tem equivalente em Portugal no que Abdul Moimême faz com as guitarras e os objectos metálicos que nelas aplica.
Não surpreende, pois, que a música preparada de Simão Costa explore situações algo distantes daquelas, rítmicas e de referenciação étnica (batuque africano, gamelão balinês), com que o preparacionismo é habitualmente conotado. As únicas excepções neste disco são as peças finais, “Out” e “Byte”, as mais saltitantes de todo o conjunto, mas aludindo mais aos universos do rock e do jazz do que a qualquer música tradicional tocada a Sul do Equador ou no Oriente. Isto muito embora os “drones” de fundo de “Beat” e de “With”, na sua simulação/dramatização do silêncio, repliquem os usos da tambura na música clássica indiana, se bem que nestes casos identificando os procedimentos com um certo ambientalismo à la Harold Budd.
É nesse aspecto que está a grande virtude deste CD amanhã disponibilizado: a mudança dos parâmetros da abordagem “piano preparado” para um plano introspectivo, auto-analítico, de viagem pelas profundezas da psique, para mais reivindicando a ideia de “beat” para esse plano que supostamente implicaria um afastamento das coordenadas que sustentam as músicas de pulsação e batida: um “beat” pode muito bem não ser um padrão rítmico repetitivo, um “riff”, e sim aquela curta e despropositada sequência de notas tirada do teclado do piano no meio de um choque de frequências, em fluxo encantatório, que não percebemos muito bem como foi gerado. Tudo isto parece justificar o subtítulo “(Un)Learning Machine” dado a este belo e muito pertinente disco: o piano preparado como máquina de (des)aprendizagem da própria caracterização histórica disso a que chamamos “piano preparado”, para dele tirarmos outros usufrutos que não os óbvios e já estafados.
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Beat With Out Byte (Cipsela Records)
Simâo Costa
Simão Costa (piano preparado)