Águeda

Paulo Santo: “Águeda” (Robalo)

Robalo

António Branco

A senhora sorridente que vemos na capa deste álbum, na sua banca no Mercado Santana, em Leiria, em meados da década de 1960, é Águeda Baptista, a dedicatária da música que se escuta na estreia em nome próprio do seu neto, o vibrafonista e compositor Paulo Santo (n. 1985). Mulher corajosa e lutadora, sempre foi uma forte influência para o jovem Paulo: «Acredito, ou talvez egoisticamente convenço-me, que preservo algumas das suas qualidades», começa por dizer o músico à jazz.pt.

Não sendo o país jazzístico particularmente frutífero em vibrafonistas, a chegada de “Águeda” reveste-se de um interesse acrescido, justificando algumas linhas biográficas. Paulo Santo nasceu em Leiria e aos 12 anos escolheu a bateria. A sua formação iniciou-se no Conservatório local, onde estudou percussão e frequentou uma classe de improvisação. É depois de um ateliê com Carlos Barretto e de um curso do Hot Clube de Portugal que decidiu dedicar-se exclusivamente ao vibrafone. «Desde os meus tempos como baterista, nas chamadas bandas de garagem, que tinha curiosidade pela composição e de imaginar música que não se manifestava na bateria. Fui-me apaixonando cada vez mais pela componente melódica e harmónica desta arte, e o vibrafone possibilitou-me essa procura.»

Em 2014, licencia-se pela Escola Superior de Música de Lisboa, frequentando atualmente o mestrado em Ensino. É docente na Escola de Jazz Luiz Villas-Boas e no projeto Orquestra Geração. Para além de liderar o seu quinteto, integra formações como a Orquestra de Jazz de Leiria, o quinteto Daniel Neto e ANGST, do pianista Tiago Sousa. Já tocou e gravou, em diferentes contextos, com João Capinha, Mila Dores, Banda da Catraia, Elísio Donas e Bruno Pernadas, entre outros.

Oito são as composições originais entregues aos cuidados deste sólido quinteto, no qual militam também o trompetista Luís Cunha, o saxofonista João Mortágua, o contrabaixista Francisco Brito e o baterista João Lopes Pereira. Excetuando Mortágua, todos se conheciam da cena lisboeta e da ESML; Santo e o saxofonista de Estarreja cruzaram-se no grupo de Pernadas. A constituição do grupo já se divisava na sua cabeça: «Não escrevo sempre a pensar num instrumento ou formação em particular, mas este quinteto em particular já cristalizara faz tempo como um grupo a concretizar», salienta o vibrafonista. E por duas razões essenciais: musicalidade e compromisso. «Desenvolvi o nível de confiança necessário para que lhes possa dizer que não gosto, ou que ainda não é bem aquilo, e que conseguiremos melhor.»

A escrita elegante e fluida de Santo denota o peso da tradição do género, mas também demonstra o apreço do músico pela sua interpelação criativa, procurando trilhar um caminho próprio e logrando esquivar-se às armadilhas costumeiras. A estrutura das peças tem avonde maleabilidade para acomodar as valorosas contribuições dos vários músicos, essenciais para o som global da formação. A jornada inaugura-se com o bem humorado “As She Swings, As a Po(o)p Song” – a peça mais recente do disco, escrita já depois de alguns ensaios e destinada especificamente a esta banda – de que emergem as notas límpidas do trompete, a que se junta o saxofone na exposição do tema melódico central, desenvolvido em solos assertivos de ambos os sopros, que conduzem à reexposição final. “Tomate com Óculos” é brevemente introduzida pela secção rítmica, que dá lugar a uma melodia luminosa, explorada sob diversos ângulos.

A belíssima “Wishing” envolve-nos numa atmosfera de maior lirismo, mas não menos desafiante. Outros dos momentos mais relevantes acontecem em “Freefall”, com a sua arquitetura espaçosa e os jogos coletivos de ação-reação que se estabelecem entre os sopros e uma secção rítmica interventiva (em que pontifica um cada vez mais decisivo João Lopes Pereira). As notas cavas de Brito dão o mote para a serenidade que emana de “Hover It” (que já foi “Over It”, na sequência das conversas de Santo com o guitarrista e amigo Nuno Costa, que lhe incutiu a ideia de desapego das ideias que ia guardando), pontuada pelas notas esparsas do vibrafone e de onde se destacam os solos de Cunha e, especialmente, Mortágua, a voar livremente.

Em “Here She Comes” instala-se um “groove” colorido, cortesia de Brito e Pereira, suportando os uníssonos entre a dupla de sopros, do qual brotam notáveis solos, com o vibrafone, discretamente, a posicionar-se como fiel da balança. As interações mais efervescentes de “Pow” são antecâmara para o epílogo, “The First Time I Sang You”, reconfortante balada de travo clássico, a primeira coisa que o vibrafonista cantou para a filha Alice quando esta tinha apenas horas de vida.

A estreia auspiciosa de Paulo Santo enquanto líder sinaliza de forma clara que deveremos continuar especialmente atentos aos seus passos futuros.

  • Águeda

    Águeda (Robalo)

    Paulo Santo

    Paulo Santo (vibrafone); Luís Cunha (trompete); João Mortágua (saxofones alto e soprano); Francisco Brito (contrabaixo); João Lopes Pereira (bateria)

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