Rodrigo Amado Motion Trio & Alexander von Schlippenbach: “The Field” (NoBusiness)
NoBusiness
O que tem de bom o Motion Trio de Rodrigo Amado é não se fixar numa cartilha e ainda assim manter uma identidade muito própria. Para tal vem contribuindo a insistência do projecto em convidar um quarto elemento para os seus discos e concertos, regra geral uma figura internacional do jazz criativo e da música livremente improvisada. No presente caso, é o histórico Alexander von Schlippenbach que ouvimos com Amado e os seus habituais companheiros, Miguel Mira e Gabriel Ferrandini. O registo ao vivo contido em “The Field” teve lugar no Vilnius Jazz Festival no último ano da antiga era, 2019, e traz-nos um bocadinho desse ar fresco. Na assistência, ninguém ainda usava máscara.
Este é um disco de reciprocidades, e estas acontecem de forma muito tranquila. As malhas filigrânicas de Schlippenbach, com um som surpreendentemente brilhante (nas notas agudas quase parecendo que o piano de cauda é um Fender Rhodes ou algum antecedente do instrumento inventado por Cristofori), influenciam o trabalho desenvolvido pelo trio de Lisboa, mas este também enforma o que o pianista alemão faz a partir dos legados da história do jazz e da da música erudita, esta uma presença lexical que vem sendo cada vez mais constatável no seu trabalho e que o levou, recentemente, a reapropriar-se da dodecafonia. Tal particularidade só poderia sublinhar – e Amado com certeza que o adivinhava ao chamar o ilustre convidado – o que ouvimos do saxofonista ao longo da improvisação de 56 minutos que totalizou o concerto: os seus fraseados evocam também cada vez mais os clássicos do tenor, recuando do free jazz não só para o bop como para o que ficou mais atrás. Rodrigo Amado não só tem evoluído imenso no seu discurso como lançado raízes na terra patrimonial do jazz, ganhando em autenticidade e vernacularidade. Se não soubéssemos que se trata de um músico português, poderíamos mesmo imputar-lhe origem norte-americana.
Se, como não podia deixar de ser em se tratando do Motion Trio e de Schlippenbach, há momentos de grande intensidade durante a audição desta música, o que nos sensibiliza mesmo são os pausados e detalhísticos (repare-se nas incríveis dinâmicas engendradas), sempre com um carácter atmosférico e sempre estabelecendo “estados de alma”, com uma languidez que não conotaríamos com o estilo regra geral fogoso de Rodrigo Amado. Ou seja, este é um disco de maturidade, um disco que só seria possível depois de muita vivência e experienciação musical e de vida, de muita estrada e de muito saber fazer adquirido, aos níveis pessoal (dizendo igualmente respeito a Mira e Ferrandini) e colectivo. Aquilo que o Motion Trio precisava para poder tocar com uma raposa velha. Os equilíbrios criados, a igualdade de posicionamentos, atestam-no e esse é outro aspecto relevante desta edição. A colaboração com o líder da lendária Globe Unity Orchestra era para a formação lisboeta a máxima das provas a que se poderia submeter. Pois bem, venceu-a, e “cum laude”.
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The Field (NoBusiness)
Rodrigo Amado Motion Trio & Alexander von Schlippenbach
Rodrigo Amado (saxofone tenor); Miguel Mira (violoncelo); Gabriel Ferrandini (bateria, percussão) + Alexander von Schlippenbach (piano)