Peachfuzz: “Peachinguinha” (Silent Water)
Silent Water
Este novo grupo nacional reúne o imparável trompetista João Almeida com o guitarrista Norberto Lobo e o baterista João Lopes Pereira. O trio desenvolve uma improvisação livre que se livra de estratégias convencionais.
O trompetista João Almeida já não deverá ser surpresa para ninguém que acompanhe o mundo do jazz nacional. Dos Garfo (Prémio Revelação 2021 nos Prémios RTP / Festa do Jazz) ao seu imparável trabalho a solo, passando pelo duo com Gonçalo Almeida (memorável concerto no Penha sco!, no final do ano passado), ou às suas colaborações com grupos como Rodrigo Amado Refraction Quartet e Chão Maior, Almeida parece ter o dom da ubiquidade. Almeida tem-se revelado um instrumentista competentíssimo, versátil e ajustável, sempre pronto a surpreender nos diferentes contextos.
Neste novo projeto, Peachfuzz, o trompetista está acompanhado por outros dois músicos que têm desenvolvido percursos imparáveis: o guitarrista Norberto Lobo, senhor de uma notável discografia, de “Pata Lenta” a “Fornalha” e “Muxama” (sempre em crescendo, sempre a arriscar), além de outros projetos como Oba Loba ou Montanhas Azuis; e João Lopes Pereira, o baterista que fornece ritmo a projetos como Ricardo Toscano Quarteto, ¡Golpe! ou Centauri.
O disco “Peachinguinha” abre com o a bateria de Pereira a fazer uma marcação rítmica cerrada, até que entra trompete expansivo de Almeida, com a guitarra em fundo; o trio avança em full speed, abrindo o disco com toda a força. O trio Almeida / Lobo / Pereira trabalha neste projeto uma improvisação livre, sem composições nem regras pré-definidas; apenas música trabalhada no momento, sem rede. Nesse primeiro tema, “Peaches Brew” (sim, todos os títulos são revisões bem-humoradas de outras referências), a música evolui para um momento de desencontro: ritmo quebrado, guitarra em desvario, trompete a tentar a manter a ordem; depois Pereira volta a um ritmo estável, em cima do qual o grupo navega para a tranquilidade final.
“Maria João Peach”, o segundo tema, abre novamente com a bateria, sozinha; entra a guitarra, trémula, nervosa; a dupla mantém a tensão; até que, por volta dos quatro minutos, o trompete chega para desenlaçar o novelo e conduzir em direção ao pôr do sol. A homónima, “Peachinguinha”, assume um registo lento, com as vassouras demoradas e o trompete em toada cerimonial, enquanto a guitarra se mantém na sombra (por momentos com os pedais a soarem a órgão de igreja). O disco fecha com “Peachhiker's Guide to the Galaxy”, trompete, guitarra e bateria em registo tímido, sussurrante; até o trompete de Almeida aparecer e assumir, num registo mais clássico, fechando o disco com luminosidade.
Este não é um típico disco de improvisação livre, onde os músicos deambulam, onde há encontros e desencontros, onde se provocam crescendos. Esta música é livre e livra-se das estratégias típicas do free jazz; pelas suas características individuais, os três músicos servem-se de outras ideias e vão criando universos musicais originais, com os instrumentos se vão interligando, em comunicação. O disco vive da interação do trio, sempre em construção de equilíbrios. É música viva, música que desafia e surpreende.
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Peachinguinha (Silent Water)
Peachfuzz
João Almeida (trompete); Norberto Lobo (guitarra); João Lopes Pereira (bateria)