Javier Subatin: “Pulsar” (ears&eyes)

Javier Subatin: “Pulsar” (ears&eyes)

ears&eyes

João Morado

Tem sido um verdadeiro deleite acompanhar o ascendente percurso do argentino Javier Subatin, guitarrista actualmente radicado em Antuérpia, na Bélgica, mas que no passado viveu em Portugal, país no qual se afirmou como músico de personalidade forte e ideias vincadas, merecedoras de atenção dedicada. Foi, aliás, por território nacional que Subatin lançou os quatro discos que constituem o núcleo do seu trabalho musical, viz., “autotelic”, de 2018, “Variaciones” e “Trance”, de 2020, e o mais recente “Mountains”, lançado em 2021, a joia da coroa de uma discografia que ainda se encontra em fase inicial de construção, não obstante os méritos que já se lhe podem atribuir. 

Os traços gerais da visão do guitarrista sobre o jazz contemporâneo, visão essa que funde os cânones jazzísticos à musicalidade oriunda da América do Sul, podem já ser compreendidos por aqueles que têm acompanhado a sua música. Sublinhe-se aqui a ideia de traços gerais, pois não se trata exactamente de uma fórmula musical, antes de um caminho que se manifesta a cada passo dado, a cada novo álbum lançado, do qual apenas o ponto de partida é conhecido, sendo sua meta final ainda um mistério em curso. Além disso, sendo Subatin um experimentador curioso, a improvisação e experimentação são igualmente parte integrante do espaço de possibilidades que o músico explora, domínios que adensam e complexificam uma definitiva categorização do actual estado de sua arte ou uma dedução precisa e exacta dos próximos actos de sua caminhada.

Altamente agregador e colaborativo, de referência obrigatória é o papel que Subatin tem tido no CI Community Project, iniciativa que reúne uma ecléctica comunidade de músicos e improvisadores de várias nacionalidades e da qual o argentino é um dos cérebros e pilares fundamentais. A isto somam-se as colaborações realizadas com inúmeros músicos nacionais, entre os quais se encontram, por exemplo, André Rosinha, Daniel Sousa, Demian Cabaud, Desidério Lázaro, Diogo Alexandre, João Mortágua, João Paulo Esteves da Silva, Pedro Melo Alves, Pedro Moreira, Ricardo Jacinto e Samuel Gapp, para nomear apenas aqueles que participaram nos álbuns anteriormente referidos. Mais recentemente, o guitarrista também co-fundou a Habitable Records, selo que tem lançado títulos de várias vozes relevantes da contemporaneidade.

“Pulsar”, título que advém “da ideia de que os diferentes sons têm origem na pulsação das cordas”, é o primeiro trabalho a solo editado pelo guitarrista. Gravado ao longo de vários meses, durante o confinamento, suas faixas foram gravadas partindo da premissa de «utilizar objectos para explorar sonoridades», explorações a partir das quais «surgiram as músicas». Ademais, todas as faixas são «quase completamente improvisadas», «gravadas em primeiros takes, incluindo os overdubs», tal como o próprio Subatin referiu à jazz.pt. O processo criativo utilizado é, então, um em que as possibilidades da guitarra, o instrumento principal do músico, são aumentadas através do recurso a técnicas não-convencionais, que se sustentam numa hibridização guitarra-objecto. Esta abordagem é ainda alargada pelo uso de loops e electrónica (sintetizadores e efeitos) em tempo real, que singularizam e especializam a linguagem deste projecto de improvisação avant-garde, que foi selecionado para tocar nos showcases da edição de 2021 do festival So What's Next, na Holanda. 

O nome de cada faixa de “Pulsar” é praticamente auto-explicativo do objecto que nela foi utilizado. Por exemplo, em “tune can lid in the strings” uma tampa de uma tradicional lata de atum é colocada entre o braço e as cordas da guitarra, resultando em ressonâncias metálicas que se mesclam e fundem com a melodia subjacente, adicionando-lhe overtones que criam uma interessante tímbrica e concomitantemente lhe conferem uma incomum e imprevisível dimensão rítmica. Já em “amplified tuna can lid on the 3rd fret”, a mesma tampa é colocada no terceiro traste da guitarra e acoplada a um microfone de contacto. Como consequência, as vibrações das cordas da guitarra ora são ampliadas ora diminuídas, através de interferências construtivas e destrutivas dos pulsares das cordas com os fonões do metal. E na senda deste espírito, uma miríade de outros objectos são introduzidos ao longo das 12 faixas que constituem este álbum, tais como pinças (“tweezers swinging on the strings”), um parafuso (“screw between the 6th and 5th strings”), uma régua metálica (“metal ruler”), um tubo de cola (“glue tube below the strings and talking droid”), ou uma máquina de cortar cabelo (“haircutting machine over the mic”). Os resultados variam em apelo sonoro, mas na generalidade são muito bem conseguidos. E apesar do quão árida possa transparecer a proposta descrita em papel, emerge invariavelmente em cada um dos temas uma musicalidade flutuante, vaporosa, que teima em não desaparecer. Em “Pulsar”, o guitarrista experimenta e arrisca, mas fá-lo com matéria verdadeiramente musical. Há melodia, há harmonia, há ritmo. E há experimentação, há exploração, há investigação. E muito mais. Há um mundo de possibilidades do qual o desbravamento apenas agora foi encetado. É um álbum fascinante pelo conceito, método e execução. Se já não havia dúvidas de que Subatin era um grande instrumentista e compositor, certamente que as dissipou em relação às expectativas que temos sobre o futuro das suas explorações a solo.

 

 

  • Pulsar

    Pulsar (ears&eyes)

    Javier Subatin

    Javier Subatin (guitarra eléctrica, electrónica, produção)

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30 Setembro

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Porta-Jazz - Porto

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