Joana Raquel & Miguel Meirinhos: “Ninhos” (Carimbo Porta-Jazz)
Carimbo Porta-Jazz
Com selo do Carimbo Porta-Jazz, a cantora Joana Raquel e o pianista Miguel Meirinhos fazem a sua estreia discográfica com um trabalho original.
Há discos cuja capa não tem nenhuma correspondência com a música que traz lá dentro. E há discos cuja capa consegue representar na perfeição o universo sonoro registado na respetiva rodela. O disco “Ninhos”, assinado por Joana Raquel e Miguel Meirinhos, encaixa perfeitamente na segunda categoria. Na capa, por cima de um fundo branco, vemos um aglomerado de nuvens sobrepostas (em registo fotográfico, recortado), de onde saem folhas, flores e pássaros (ilustrações em registo quase infantil/naïf). A música, essa, faz “match” com a imagem: soa delicada, artesanal, leve, etérea.
Gravado em quarteto, este disco nasce da iniciativa de uma dupla, Joana Raquel e Miguel Meirinhos, dois jovens músicos que assinam a totalidade das composições do disco. Começámos por descobrir a voz de Joana Raquel no Festival Porta-Jazz do ano passado. Na altura, ainda sem disco em nome próprio, a cantora participou em dois projetos que atuaram no jardim do Palácio de Cristal: primeiro, integrou o Ensemble Robalo / Porta-Jazz e, apesar do pouco entrosamento do coletivo, contribuiu com a sua voz para a interessante massa sonora; seguiu-se uma atuação com o projeto “Canto das Sereias” da cantora, contrabaixista e compositora Yudit Vidal, onde revelou a versatilidade da sua voz; ficámos depois a saber do seu projeto 293 Diagonal (um arriscado duo de voz e saxofone) e da sua colaboração com a rapper Capicua.
Miguel Meirinhos tem sido também uma surpresa, que cada vez mais vai ganhando o seu espaço. Se em 2016 atuou no Festival Porta-Jazz ainda enquanto aluno da ESMAE, nos últimos anos tem conseguido afirmar-se: participou no quarteto do contrabaixista Nuno Campos que gravou o disco “TaCatarinaTen”, mais recentemente integrou o Quarteto Abissal de Mário Barreiros – no disco “Dois Quartetos sobre o Mar” – e foi convidado da Orquestra Jazz de Matosinhos no ciclo “Novos Talentos”. Numa recente entrevista, publicada aqui na Jazz.pt, o gigante Mário Laginha foi questionado: “Quer mencionar alguns pianistas da atualidade que tenham captado a sua atenção, portugueses e não só?” A sua resposta foi: “Isso é sempre difícil, detesto deixar de fora alguém e não conheço seguramente todos. Sendo assim, digo dois muito novos que me surpreenderam muito: um do Porto, Miguel Meirinhos, e um de Lisboa, Hugo Lobo.” Depois destas palavras de aprovação do mestre será difícil ignorar o trabalho deste jovem pianista.
Juntos, Joana Raquel e Miguel Meirinhos vão construindo um universo sonoro muito peculiar, assente no trabalho da voz e do piano. É verdade que contrabaixo (com o enorme Demian Cabaud) e bateria (com João Cardita) complementam, e muito bem, ajudam no recheio, mas a base está no duo. Raquel e Meirinhos desenvolveram músicas suaves, delicadas, com muito espaço e tranquilidade. As melodias, por vezes inesperadas, conseguem agarrar o ouvinte. A voz indica o caminho e o piano vai enchendo camadas, insuflando cada tema. O piano de Meirinhos vai lançando pinceladas e, sem esquecer a estrutura, acrescenta detalhes com subtileza e elegância.
A voz não é muito expansiva, é geralmente contida. É particularmente eficaz nesta música e, ao longo do disco, vai-se mostrando em diferentes registos. Entre as melodias e as inflexões, a voz revela a sua personalidade. No tema “Corrente” (que se repete como “alternate take”), um dos momentos mais marcantes do disco, a voz lança-se e conquista rapidamente o ouvinte. “Cardos Amarelos”, a quinta faixa, será o maior destaque: contrabaixo e percussão contribuem com a propulsão rítmica; com a voz e piano nasce o tema mais exuberante de todo o álbum – destaque, a partir dos 3 minutos, com o piano em vertigem a fazer a cama para a voz brilhar.
A poesia (original, da pena de Joana Raquel) revela clareza e é isso que se pede às palavras que acompanham canções. Há várias referências atmosféricas e, sobretudo, de libertação - o voo, o sair do ninho, o pássaro à solta. E a música voa a grande altura, liberta-se, tal como pedia a poesia. Joana Raquel e Miguel Meirinhos têm todo o futuro pela frente. Neste disco de apresentação conseguiram articular uma delicada tecelagem sonora, que merece aplauso.
Deixemos ainda uma nota final para a embalagem do disco, com design de Maria Mónica: além do formato 20 x 20 cm, como é habitual nas edições Carimbo Porta-Jazz, a capa do disco transforma-se num pequeno livro/booklet que tem impressas as letras/poemas das músicas, acompanhadas por ilustrações, fazendo ligação com a imagem do ninho de nuvens da capa. Um objeto que acaba por refletir na perfeição a música à qual serve de embrulho.
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Ninhos (Carimbo Porta-Jazz)
Joana Raquel & Miguel Meirinhos
Joana Raquel (voz, letras e composição); Miguel Meirinhos (piano e composição); Demian Cabaud (contrabaixo); João Cardita (bateria)