Kurt Rosenwinkel & Jean-Paul Brodbeck: “The Chopin Project” (Heartcore)

Kurt Rosenwinkel & Jean-Paul Brodbeck: “The Chopin Project” (Heartcore)

Heartcore

António Branco

O norte-americano Kurt Rosenwinkel, guitarrista com enorme percurso atrás de si, e o pianista suíço Jean-Paul Brodbeck juntaram esforços em “The Chopin Project”, com selo da Heartcore Records, no qual trabalham a música do compositor romântico numa lógica de quarteto de jazz. Com eles estão o jovem contrabaixista suíço Lukas Traxel e o fantástico baterista que continua a ser Jorge Rossy.

O universo musical complexo e elegante de Frédéric Chopin (1810-49) – adotado por Paris, mas nascido Fryderyk Szopen em Żelazowa Wola, Polónia – tem atraído vários músicos de jazz, filiados em distintas correntes estilísticas. Chopin foi um inovador no plano técnico e um improvisador nato; as peças que compôs não tiveram na sua cabeça uma versão definitiva, pois tocou-as sempre de forma diferente. Em Portugal, no jazz, o exemplo mais relevante de apropriação chopiniana é “Mongrel”, notável disco de 2010 do trio do pianista Mário Laginha, com o contrabaixista Bernardo Moreira e o baterista Alexandre Frazão.

Também o norte-americano Kurt Rosenwinkel (n. 1970), guitarrista com enorme percurso atrás de si, e o pianista suíço Jean-Paul Brodbeck (n. 1974) juntaram esforços em “The Chopin Project”, com selo da Heartcore Records, no qual trabalham a música do compositor romântico numa lógica de quarteto de jazz. Juntam-se-lhes o jovem contrabaixista suíço Lukas Traxel – uma boa novidade para estes ouvidos – e o fantástico baterista que continua a ser Jorge Rossy.

O que o quarteto empreende em “The Chopin Project” não é a “jazzificação” fátua de um repertório com características idiossincráticas – mas com margem considerável para derivas exploratórias –, entre estudos, prelúdios e noturnos, mas antes uma verdadeira interpelação criativa, um trabalho de reconfiguração de uma matéria-prima que admite múltiplos ângulos de abordagem sem perder os seus traços essenciais como o apurado sentido rítmico e o uso de cromatismos e contrapontos. E o que os arranjos de Brodbeck e a execução deste quarteto logram, com sucesso, não é simples, nem ao alcance de todos: os ritmos românticos desafiados a swingar, as danças populares do centro e leste europeu cruzadas com acentuações que radicam nos blues, as longas linhas melódicas transformadas pela energia do pós-bop. O que o grupo propõe é um encontro entre dois mundos distintos mas que se deixam interpenetrar com benefícios mútuos.

«Fui tão inspirado pelo mundo de Chopin ao longo dos anos, primeiro a crescer como pianista, e depois por toda a envolvente, e comecei a absorver a sua estética e abordagem ao fraseado e à melodia. Deixei que falasse naturalmente com a minha linguagem do jazz, e então ouvi o som da guitarra de Kurt nesta música», refere Brodbeck, o autor de todos os arranjos, em notas de apresentação de “The Chopin Project”. O grupo reuniu-se para a gravação em Zurique, Suíça, em agosto de 2021, e logo ficou clara a empatia e a qualidade das interações entre os quatros músicos. Estão aqui bem presentes os principais traços definidores do guitarrismo luminoso de Rosenwinkel – que adquire uma proeminência de certa forma natural no cômputo do som do grupo –, as acentuações bluesy, o processamento do som da guitarra, as articulações precisas com as harmonias tecidas pelo piano, tandem suportado por uma secção rítmica sólida e competente.

Seguindo a estrutura clássica explanação-solos-reexaplanação, o “Estudo em Mi bemol menor (Op. 10, N.º 6)” vem com a linha melódica clara e bem definida sobre um drive rápido (Rossy ótimo no trabalho de címbalos); a fluidez do pianismo de Brodbeck e o solo preciso de Rosenwinkel fundam memórias. Segue-se o “Prelúdio em Mi bemol menor (Op. 28, N.º 14)”, com as notas graves do piano a funcionarem como uma espécie de fio de Ariadne para indagações embrulhadas num swing viciante. As notas cristalinas de “Gota de Água – Prelúdio em Ré bemol maior (Op. 28, N.º 15)”, a pulsação do “Prelúdio em Lá menor (Op. 28, N.º 7)” ou a atmosfera soalheira do “Prelúdio em Mi maior (Op. 28, N.º 9)” são momentos onde o quarteto mostra ótimos níveis de trabalho coletivo.

Graciosa a leitura da “Valsa em Dó sustenido menor (Op. 64, N.º 2)”, a dado momento comandada pelos uníssonos piano-guitarra. Mais intenso é o “Prelúdio em Dó maior (Op. 28, N.º 1)”, tour-de force para o baterista. No “Prelúdio em Si menor (Op. 28, N.º 6)” avulta a intrincada teia urdida por Brodbeck a sustentar o voo picado de Rosenwinkel. O “Prelúdio em Lá maior (Op. 28, N.º 7)” exibe uma serenidade reconfortante, iluminada pelo solo de Traxel. A encerrar a viagem, a “Mazurka em Fá menor (Op. 68, N.º 4)”, vê-se transformada numa belíssima balada, com todos os seus pertences. 

Chopin almejava a simplicidade, sem que a sua música alguma vez tenha sido simples. Dizia que depois de tocar uma vasta quantidade de notas e mais notas, é a simplicidade que emerge como recompensa da arte. Reforçando essa dimensão só aparentemente paradoxal, e esquivando-se a fórmulas, “The Chopin Project” é demonstração de como continua a ser possível olhar com olhos de jazz para o cânone ocidental clássico, insuflando-lhe uma nova vida.

  • The Chopin Project

    The Chopin Project (Heartcore)

    Kurt Rosenwinkel & Jean-Paul Brodbeck

    Kurt Rosenwinkel (guitarra); Jean-Paul Brodbeck (piano); Lukas Traxel (baixo acústico); Jorge Rossy (bateria)

Agenda

25 Março

Duke Ellington’s Songbook

Sunset Jazz - Café 02 - Vila Nova de Santo André

25 Março

Mário Laginha com Orquestra Clássica da Madeira

Assembleia Legislativa da Madeira - Funchal

25 Março

The Rite of Trio

Porta-Jazz - Porto

25 Março

Sofia Borges (solo) “Trips and Findings”

O'culto da Ajuda - Lisboa

25 Março

George Esteves e Kirill Bubyakin

Cascais Jazz Club - Cascais

25 Março

Katerina L’Dokova

Auditório ESPAM - Vila Nova de Santo André

25 Março

Kurt Rosenwinkel Quartet

Auditório de Espinho - Espinho

26 Março

Giotto Roussies Blumenstrauß-Quartett

Cantaloupe Café - Olhão

26 Março

João Madeira, Carlos “Zíngaro” e Sofia Borges

BOTA - Lisboa

26 Março

Carlos Veiga, Maria Viana e Artur Freitas

Cascais Jazz Club - Cascais

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