Ricardo Pinheiro: “Momentum” + “Gestures” (Inner Circle Music/AsUR)
Inner Circle Music / AsUR
"Momentum" e "Gestures", lançados simultaneamente, registam o concerto de um supergrupo liderado pelo guitarrista e compositor Ricardo Pinheiro, na noite de 28 de junho de 2009, a fechar a 7.ª edição da Festa do Jazz. Para recordar uma noite memorável, treze anos depois.
A 28 de junho de 2009, ao meio-dia em ponto, o físico britânico Stephen Hawking estava em frente à porta de entrada de um elegante salão da Universidade de Cambridge. Esperou com os olhos fixos na porta. O salão tinha sido decorado com balões, havia aperitivos e champanhe, a sua bebida preferida. Aquela festa não era como outra qualquer: era um evento para viajantes do tempo. Ninguém apareceu.
Nessa mesma noite, a 1.700 quilómetros de distância, o cenário era diferente. A Sala Principal do São Luiz – Teatro Municipal, em Lisboa, estava apinhada para receber um supergrupo liderado pelo guitarrista e compositor Ricardo Pinheiro, com Chris Cheek (saxofones), Mário Laginha (piano), João Paulo Esteves da Silva (Fender Rhodes) – em parte do concerto –, Demian Cabaud (contrabaixo) e Alexandre Frazão (bateria). Cumpria-se então a 7.ª edição da Festa do Jazz.
Pinheiro recorda-se bem da ocasião: «Foi uma noite muito especial. Uma reunião com um conjunto de músicos que me dizem muito, uma sala especial cheia de pessoas entusiasmadas e envolvidas com a música, uma produção muito profissional, e um contexto de festa que celebrava o jazz português. A música fluiu com beleza e intensidade, os músicos interagiram com profundidade e bom gosto e o público envolveu-se pelos sons. Traz-me recordações que dificilmente irei apagar da memória.»
Depois de dois anos bem preenchidos em termos de música nova (o quarteto LAB, com Miguel Amado, Tomás Marques e Diogo Alexandre, os duetos com os cantores Mônica Salmaso e Theo Bleckmann em “Caruma” ou o registo a solo “Dança do Pólen”), o guitarrista, após uma conversa com o responsável pela gravação do concerto, João Paulo Nogueira, entendeu ter chegado o momento para finalmente editar o registo dessa noite memorável, uma oportunidade de ouro para documentar aquela fase da sua carreira. «Ele mostrou-me a gravação que fez em 2009 e as memórias que eu tinha do concerto confirmaram-se: naquela noite, aconteceu algo de muito especial. O som da gravação pareceu-me bastante claro e refletia o que se tinha passado musicalmente no concerto», explica. A duração do concerto motivou a existência de dois CD separados – “Momentum” e “Gestures” –, o segundo contendo a parte do concerto que contou com a presença de João Paulo Esteves da Silva sentado ao Fender Rhodes. Todas as composições apresentadas são originais de Ricardo Pinheiro.
“Momentum” abre com “Mechanique”, introduzido por um motivo rítmico proposto pelo baterista e que se constrói em torno de padrões rítmicos e melódicos interligados pela guitarra, piano, contrabaixo e saxofone. Dos uníssonos entre guitarra e saxofone soprano emanam o motivo base da peça e solos luminosos de Pinheiro e Cheek, sempre com Laginha a urdir exemplar teia harmónica exemplar e uma secção rítmica buliçosa. “Reflektion” é uma balada “clássica” que o piano propõe e com Cheek, Laginha, Pinheiro e Cabaud, por esta ordem, a voarem nos respetivos solos. Cabaud é um pilar seguro e Frazão mostra como tocar um tempo lento de forma audaciosa. “Isabel” é também uma balada em rubato com um ritmo contrastante na bateria que imprime um drive rápido, instigando movimento, contrastado pela guitarra e piano mais serenos. Duas abordagens distintas sob o ponto de vista rítmico, mas que se complementam de forma bastante interessante. Peça inspirada originalmente num quadro de Monet, “Soleil Levant” é mais intensa e conta com solos de Pinheiro, Laginha e Cheek (este soberbo).
O tomo gémeo, “Gestures”, arranca com a tranquilidade reconfortante de “Somewhere Nowhere”, peça com três secções que evolui para um final em crescendo, marcado pelo ótimo solo de Frazão. “Pop-Up” é mais labiríntica, com Laginha a propor linhas angulosas; Pinheiro, numa primeira secção, faz uso de algum processamento no som da sua guitarra, a que se segue uma harmonia modal movimentada. Cheek assina uma intervenção altiva e Esteves da Silva brilha no Rhodes. “Sereno (para Patrícia)” traz a sua melodia em jeito de hino, que se vai transmutando coletivamente até ao wagneriano clímax final, após o qual a peça termina de modo surpreendente. A fechar o disco, o encore do concerto: “Open Letter (to Leo)”, de grande elegância estrutural, com solo de piano a anteceder a exposição da melodia; Cheek canónico e Esteves da Silva sempre delicado e inventivo no Rhodes.
“Momentum” e “Gestures” são veículo para uma bem-sucedida viagem no tempo. Hawking teria feito melhor se tivesse convidado o sexteto para a sua festa.
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Momentum (Inner Circle Music / AsUR)
Ricardo Pinheiro
Ricardo Pinheiro (guitarra); Chris Cheek (saxofones soprano e tenor); Mário Laginha (piano); Demian Cabaud (contrabaixo); Alexandre Frazão (bateria)
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Gestures (Inner Circle Music / AsUR)
Ricardo Pinheiro
Ricardo Pinheiro (guitarra); Chris Cheek (saxofone tenor); Mário Laginha (piano); João Paulo Esteves da Silva (Fender Rhodes); Demian Cabaud (contrabaixo); Alexandre Frazão (bateria)