Dugong: “Let the Good be Good” (Honolulu)

Dugong: “Let the Good be Good” (Honolulu)

Honolulu

António Branco

Dugong é um quarteto italiano formado por músicos bem estabelecidos nas cenas do jazz criativo de várias capitais europeias. “Let the Good be Good”, o seu terceiro registo, é um sereno apelo de esperança após as agruras pandémicas. A jazz.pt já o ouviu.

Os leitores mais versados em zoologia marinha certamente saberão que o dugongo é o menor membro da ordem de mamíferos marinhos Sirenia, que inclui também o peixe-boi ou a vaca marinha. O dugongo é um exemplo de resistência às adversidades colocadas, sobretudo, pelo ser humano (leia-se a caça pela sua carne e óleo): é o único representante vivo da família Dugongidae, todos os outros membros estão extintos. Podem atingir os três metros de comprimento e a meia tonelada de peso. Mas mais do que as imponentes características físicas, espantam os traços comportamentais: o dugongo é «o gigante mais gentil do oceano».

Mas Dugong é também um quarteto de músicos italianos bem estabelecidos em várias cidades europeias com vibrantes cenas de jazz e outras músicas improvisadas: o guitarrista Michele Caiati em Milão, o saxofonista Nicolò Ricci em Amesterdão e uma secção rítmica baseada em Londres, formada pelo contrabaixista Andrea Di Biase e pelo baterista Riccardo Chiaberta.

Ativa desde 2011, a formação tem vindo a experimentar técnicas pouco usuais na gestão entre uma rigorosa componente escrita e a liberdade da improvisações. A sua música tem vindo a revelar-se como um cadinho para o qual confluem elementos de proveniência distinta, como o jazz contemporâneo e o pós-rock, colhendo influências em autores tão díspares como os Radiohead no rock, Craig Taborn, os Bad Plus e Bill Frisell nas fileiras do jazz, e compositores clássicos como Bach, Chopin e Messiaen. Aliás, como processo criativo recorrem à análise de várias obras-primas desses mestres, rearranjando-as ao seu modo, tal como aconteceu com o estudo para piano n.º 6 de Chopin.

Até agora, do seu pecúlio discográfico constavam apenas dois títulos: “Miscommunication”, de 2014, “The Big Other”, de 2018 – cujos lançamentos foram seguidos por digressões pelo Reino Unido e pela Europa continental. Não desperdiçaram então o ensejo de tocar com o saxofonista italiano Pietro Tonolo (Chet Baker, Lee Konitz) que se lhes juntou como convidado em vários concertos. Apresentaram-se no Festival de Jazz de Londres de 2019 com a pianista Maria Chiara Argirò, e também em clubes como o Ronnie Scott´s, Vortex Jazz Club, ao vivo na BBC Radio 3 e no Festival de Jazz de Bergamo.

“Let the Good be Good”, o terceiro registo da formação vê a luz do dia, tal como acontecera com o anterior, pela mão da independente Honolulu Records, editora criada em 2014 em Milão por um coletivo de músicos centrado na «pesquisa e na experimentação, que visa produzir música que seja uma expressão espontânea e necessária do nosso tempo e envolver um público tão amplo e variado quanto possível.»

Concebido durante os dias mais negros da pandemia, é um apelo para os próprios e para quem os rodeia e escuta de que há que aproveitar sem medo o que é bom. Todos contribuem com composições, embora Caiati e Di Biase, com três, sejam os mais prolixos. Ricci e Chiaberta aportam uma composição cada. Em “Let the Good be Good”, os Dugong perseveram no desígnio de desenvolver um som distinto baseado num uso aturado do espetro das dinâmicas de modo a gerar uma «resposta emocional intensa de seu público» (dizem-nos os próprios). De forma a expandir a sua linguagem estilística, exploram o contraponto escrito e improvisado, construindo estruturas de recorte complexo.

O que por aqui se escuta é uma música de forte pendor melódico, vertida em atmosferas serenas e positivas. “Fantasma”, saída da pena do guitarrista, começa com luminoso dedilhado de guitarra do qual brota o motivo-base, até que se lhe junta o saxofone, desenhando uma melodia quase pueril. Em “Not a Worry in the World”, da autoria do contrabaixista, é o saxofone lânguido que assume a condução da peça, com a guitarra a fornecer eficaz sustentação harmónica, que cozinha em lume brando.

“Coccobello” traz momentos tranquilos, de entre os quais se eleva uma das melhores prestações do saxofonista. “Apnea” prossegue a toada envolvente, que de alguma forma encontra continuidade em “Turnpike Lane”, peça de Chiaberta, avultando nesta os solos de Di Biase e Ricci. Interessantes, “Hugamana” e “Hugapapa” – composições-gémeas – têm na primeira o sintetizador a contrastar contrapontisticamente o saxofone e na segunda o conforto proporcionado pela clareza das ideias propostas. A peça-título é lenta, com a pulsação marcada pelas escovas, e uma guitarra suave que o saxofone afaga.

“Let the Good be Good” é um disco sóbrio e elegante onde se descortinam momentos interessantes, embora apenas a espaços seja capaz de surpreender verdadeiramente.

 

  • Let the Good be Good

    Let the Good be Good (Honolulu)

    Dugong

    Nicolò Ricci (saxofone tenor); Michele Caiati (guitarra, sintetizador); Andrea Di Biase (contrabaixo, sintetizador); Riccardo Chiaberta (bateria)

Agenda

25 Março

Duke Ellington’s Songbook

Sunset Jazz - Café 02 - Vila Nova de Santo André

25 Março

Mário Laginha com Orquestra Clássica da Madeira

Assembleia Legislativa da Madeira - Funchal

25 Março

The Rite of Trio

Porta-Jazz - Porto

25 Março

Sofia Borges (solo) “Trips and Findings”

O'culto da Ajuda - Lisboa

25 Março

George Esteves e Kirill Bubyakin

Cascais Jazz Club - Cascais

25 Março

Katerina L’Dokova

Auditório ESPAM - Vila Nova de Santo André

25 Março

Kurt Rosenwinkel Quartet

Auditório de Espinho - Espinho

26 Março

Giotto Roussies Blumenstrauß-Quartett

Cantaloupe Café - Olhão

26 Março

João Madeira, Carlos “Zíngaro” e Sofia Borges

BOTA - Lisboa

26 Março

Carlos Veiga, Maria Viana e Artur Freitas

Cascais Jazz Club - Cascais

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