Liba Villavecchia Trio: “Zaidín” (Clean Feed)
Clean Feed
Um dos vários elogios que podemos fazer à portuguesa Clean Feed Records é que tem sabido encontrar na Europa jazz de imensa qualidade, muito para além dos polos mais visivos, a Inglaterra e a Escandinávia.
Não deixa mesmo assim de ser inesperada a edição de “Zaidín” porque “nobody expects the Spanish jazzition”. Habituámo-nos à ideia que o jazz feito em Espanha ou é extremamente clássico ou é aflamengado, rumbado, salsado, etc. e muito pouco interessante, questionante, contemporâneo, vivo. É por isso com imensa curiosidade que fomos ouvir o disco do trio de Liba Villavecchia, com Vasco Trilla na bateria e Alex Reviriego no contrabaixo.
O saxofonista é um dos segredos bem guardados do país cercano, com uma discografia curta apesar de estar à quatro décadas no ativo. O trio começou em março de 2021 à volta de umas cervejas, quando o músico propôs um ensaio para tocarem a música de Thomas Chapin, admirado pelos três. Mas como a vida acontece enquanto se faz planos, o ensaio surpreendeu-os pelo excelente entendimento e partilha conjunta. Sentiram todos que, aquela formação fortuita à volta da memória de Chapin, era de facto um grupo e por isso a noção que poderiam e deveriam ter um reportório próprio e um som particular, impôs-se e Villavecchia decidiu começar a trazer as suas composições, algumas guardadas há muito.
“Zaidín” é o trabalho feito ao longo de um ano sobre aquela primeira mesa com cervejas, com 5 temas originais, uma improvisação coletiva e, claro, uma releitura de “Bypass” (do LP “Sky Piece”, 1997, o seu último disco em vida, editado pela Knitting Factory) de Thomas Chapin.
Mas para que o disco chegue as nossas casas falta mais um encontro, entre música e edição. Deu-se na JAZZIAM (feira profissional de música que acontece em Barcelona). Villavecchia conta que abordou o editor porque admirava o trabalho feito e porque se identificava com a linha editorial da label da Parede. Foi recebido com as reticências naturais; conta que Costa lhe disse que gostava muito de editar um grupo espanhol, mas que até àquela data, nunca tinha recebido nenhuma proposta que lhe tivesse interessado. Entreaberta a porta, o saxofonista arriscou: mal chegou a casa agarrou no e-mail que tinha recebido na feira e enviou a gravação que tinham acabado de fazer e misturar em estúdio. O resto da história já conhecemos, porque a podemos ouvir em disco.
A música do trio é um pouco como a de Chapin no sentido em que os três instrumentos vão trocando de papéis durante os temas. O saxofone passa de solista a fundo, o contrabaixo assume a frente, etc. Também o som agudo do sopro evoca, de alguma maneira o do americano, contudo o fraseado e os temas do músico de Barcelona são muito diferentes. Para além de Chapin ouvimos também algum rock progressivo (Henry Cow, King Crimson, Soft Machine) e a fluidez e alegria dançáveis de Ornette ou Ayler. “Zaidín” é a música de um trio que tem uma cultura de improvisação muito sedimentada, encontrou uma forma de funcionar própria e é guiado por composições inteligentes e interessantes que, em grande medida, bebem do percurso de vida de Villavecchia. Começou na improvisação e dedicou-se ao jazz: Descobriu nos anos 80 a improvisação total por quem se apaixonou e em 2010 sentiu que aquela forma de tocar – que tinha sido tão excitante e renovadora – se estava a tornar previsível e repetitiva. Que tinha entrado num beco sem saída em que o “não-idiomático” era, na verdade, um “idioma”. A liberdade transformada em cliché deu lugar a uma ortodoxia que substituiu a dissidência. “Zaidín” é um ensaio para a saída desse beco, onde a improvisação continua a ter um papel enorme (e todo o saber provindo da divergência) e a música é feita de processos de composição, de formas de ensaio, de ideias sobre o mundo e de uma vontade de futuro. É uma obra. Não é um momento.
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Zaidín (Clean Feed)
Liba Villavecchia Trio
Liba Villavecchia (saxofone alto); Vasco Trilla (bateria e percussão); Alex Reviriego (contrabaixo)