João Almeida / Rodrigo Pinheiro / Vasco Furtado: “Linae” (Phonogram Unit)

João Almeida / Rodrigo Pinheiro / Vasco Furtado: “Linae” (Phonogram Unit)

Phonogram Unit

António Branco

“Linae” é o notável álbum de estreia de um trio que reúne improvisadores de distintas gerações e reconhecidos predicados: o trompetista João Almeida, o pianista Rodrigo Pinheiro e o baterista Vasco Furtado. Uma proposta totalmente acústica, sem contrabaixo, em que ideias lançadas pelos três são construídas, desconstruídas e reconstruídas em conjunto. Tem selo da Phonogram Unit e a jazz.pt já o escutou.

“Linae” é o álbum de estreia de um trio que reúne o trompetista João Almeida, o pianista Rodrigo Pinheiro e o baterista Vasco Furtado, músicos de gerações e percursos distintos, o que é, desde logo, sólido motivo para aguçar os sentidos antes mesmo de nos adentrarmos nos territórios sonoros que exploram em conjunto.

João Almeida é um jovem trompetista que se tem afirmado em diferentes contextos e configurações instrumentais e estilísticas, dos Garfo aos Peachfuzz, passando por Chão Maior, o quinteto de Nazaré da Silva, duos com Tiago Paiva, Pedro Massarrão, Ricardo Martins e Gonçalo Almeida, um trio com este e João Lobo, outro trio com Norberto Lobo e João Lopes Pereira ou um quarteto com Rodrigo Amado, Hernâni Faustino e João Valinho. Pianista, improvisador e compositor, Rodrigo Pinheiro trabalha num vasto espetro de idiomas musicais, sobretudo nos domínios da livre improvisação, a solo e colaborando com um número incontável de músicos: RED Trio, Hyper.Object, Clocks & Clouds, Nau Quartet de José Lancastre, Parallel Realities de João Lencastre, Lisbon-Berlin Quartet de Luís Lopes, o duo com o percussionista Pedro Carneiro, de entre múltiplas outras colaborações. Vasco Furtado, baterista de amplos recursos, tem-se dedicado principalmente à música improvisada, em várias formações, sobretudo desde que em 2015 se mudou para Colónia. É notável o seu labor em álbuns como “Vento” (com o saxofonista José Lencastre e o contrabaixista Hernâni Faustino) ou “Aforismos”, com a vibrafonista Salome Amend e a saxofonista Luise Volkmann.

Como fundadores da editora Phonogram Unit, Rodrigo Pinheiro e Vasco Furtado cogitavam há algum tempo a possibilidade de trabalhar em conjunto. Para o baterista, este trio, mais especificamente esta gravação, «surgiu de uma ideia que já tinha há algum tempo e que era de ter qualquer coisa gravada com o Rodrigo, com o qual já por diversas vezes tinha partilhado o palco, mas sem qualquer tipo de registo áudio. É um trio que não existe, mas que talvez venha a existir (risos).» O pianista corrobora: «O Vasco sugeriu gravarmos em trio com o João Almeida - que é um músico com quem já tinha colaborado no passado no disco “inter.independence”, também na Phonogram Unit.»

São estes três músicos que aportam aspetos das suas diferentes e vincadas personalidades para este “Linae” (linha, em latim). «O interessante em contextos de improvisação», explica Rodrigo Pinheiro, «é sempre como o grupo consegue reagir a estas ideias que cada um lança para a mesa. Por vezes as ideias que cada um dos músicos apresentam, parecem à partida serem completamente inconciliáveis, mas desenvolvendo-as e transformando-as por vezes conseguem-se momentos de tensão muito fortes, que pessoalmente acho que conseguimos neste disco.»

Para Pinheiro, o que marca esta música – completamente improvisada e sem qualquer tipo de combinações prévias sobre o que tocar, exceto quem começava cada improvisação –, são as ideias «desenvolvidas obsessivamente pelos músicos de uma forma calma e progressiva.» «Sinto também que há por parte de todos os músicos uma preocupação com a estrutura dos temas, dando quase a sensação de narrativa. Tudo isto julgo que cria um fio condutor que une o disco – daí o nome.» Vasco Furtado também diz que esta ideia é o que os «une na forma de improvisar e de interagir musicalmente». A configuração instrumental algo incomum – sem a presença de um contrabaixo, por exemplo – também colocou desafios. «Gosto muito de trabalhar neste tipo de trios, sem baixo ou sem bateria. Este aparente desequilíbrio força todos os músicos a terem abordagens completamente diferentes do normal. Permite também terem mais espaço para poderem explanar as suas ideias», acrescenta o pianista. Já Furtado sublinha que se trata de um trio totalmente acústico, «e esse era um fator importante para o som que queríamos.» Mas considera a instrumentação uma questão secundária: «A meu ver, quando se trata de música improvisada, joga-se com o que há.»

A música do trio explora equilíbrios entre passagens mais serenas e outras mais agitadas, suprindo a ausência do corpulento cordofone. “Dawn” inicia-se com o trompete assertivo de Almeida, logo secundado pela bateria de Furtado, telúrica, a que depois se juntam as notas angulosas de Pinheiro. Sensivelmente a meio da peça tudo parece acalmar, mas talvez essa calma seja ilusória, com a tensão a acumular-se aguçada pelo trompete. A peça que dá título ao disco revela um ambiente onde os três instrumentos interagem em lume brando, com as espirais de som lançadas pelo trompete, o piano a aditar gravidade e a chamar para o desafio e a percussão detalhada de Furtado, tanto a jogar nos interstícios como a saltar para a linha da frente.

Na belíssima “Desvio Padrão”, de atmosfera recatada, o trompete límpido de Almeida propõe fragmentos melódicos que logo se desvanecem para depois se transformarem em algo diferente, apoiado nas linhas serenas de piano e na bateria sempre prenhe de pormenores, cômputo que paulatinamente se vai desvelando e ganhando corpo. “Roar”, porventura o pináculo do álbum, exala um perfume milesiano, tanto pela sofisticação melódica como pelos diálogos entre trompete e piano, acicatados a cada instante pela bateria, que parece pretender puxar a peça noutra direção. “Pyroclastic” é serenamente introduzida pelo piano, até à entrada dos demais instrumentos, com a agitação a elevar-se de uma acesa interação a três. Tudo volta a serenar na secção final, com um motivo repetitivo exposto pelo piano, Almeida a recorrer pontualmente a técnicas menos convencionais e o baterista a injetar vigor.

“Linae” é um álbum exigente, porém imensamente recompensador.

 

 

  • Linae

    Linae (Phonogram Unit)

    João Almeida / Rodrigo Pinheiro / Vasco Furtado

    João Almeida (trompete); Rodrigo Pinheiro (piano); Vasco Furtado (bateria)

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