17.º Portalegre JazzFest, 5 de Julho de 2022

17.º Portalegre JazzFest

Contra a desertificação, jazzar, jazzar

texto: António Branco / fotografia: Jenny Berger Myhre (Cortex)

De 7 a 9 de julho o jazz regressa a Portalegre, num evento que já vai na sua 17.ª edição, e que, ano após ano, continua a constituir-se como um exemplo notável de resiliência e inconformismo face à inexorável tendência de desertificação e despovoamento do interior do país. Do cartaz abrangente constam o Luís Vicente Trio, os noruegueses Cortex, Hugo Carvalhais, Bill Shakespeare's Romeu and Joaoliet, Maria João OGRE Electric e o projeto “The Guit Kune Do”, do guitarrista André B. Silva. A não perder.

Ao longo de três finais de tarde/noites, o Portalegre JazzFest apresenta um cartaz diversificado e atento a diferentes dimensões, geográficas e estéticas, destas músicas, apanágio desde a primeira edição, realizada no já longínquo ano de 2003. A programação reparte-se por dois concertos diários nos diferentes espaços do Centro de Artes e Espetáculos de Portalegre, lá no cume da cidade alto alentejana, bem perto da antiga Fábrica Robinson, velha corticeira (popularmente conhecida como a “fábrica da rolha”) que ocupou o espaço onde antes ainda se localizava o Convento de São Francisco, que remontava ao tempo de D. Sancho II.

Segundo o programador, Pedro Costa, o Portalegre JazzFest «tal como nas histórias de Astérix, o gaulês, resiste ao invasor sendo que o invasor aqui é o êxodo que se regista há muitos anos de pessoas em busca de trabalho e melhores condições de vida. Enquanto os sucessivos governos nacionais muito têm contribuído para esta situação, o JazzFest resiste com maior ou menor empenho do poder autárquico local vigente.» É desígnio do festival juntar a tradição e a modernidade do jazz, «contribuindo para a perceção do jazz enquanto música viva», sublinha o programador. Ao longo dos anos, já passaram por este festival nomes inescapáveis como John Zorn, Bill Frisell, Enrico Rava, Gerry Hemingway, Ken Vandermark, Marc Ribot, Mats Gustafsson, Carlos Bica, Bernardo Sassetti, Mário Laginha, Ricardo Toscano, Susana Santos Silva, Carlos Barretto, entre muitos outros.

A edição de 2022 arranca no dia 7 de julho, quinta-feira, às 18h30, no Pequeno Auditório, com o Luís Vicente Trio (na foto), que apresenta o álbum “Chanting in the Name Of” (Clean Feed). Com o plurifacetado e hiperativo trompetista, um dos músicos portugueses que lograram maior projeção internacional nos últimos anos, estarão o contrabaixista Gonçalo Almeida (Spinifex, Ritual habitual, Lama, The Selva, Albatre) e o baterista Pedro Melo Alves (The Rite of Trio, Omniae Ensemble e Large Ensemble, In Igma, duo com Pedro Carneiro), na bateria. Poderemos esperar composições amplas e a ferver em lume brando, capazes de surpreender a cada instante.

À noite (21h30), subirá ao palco do Grande Auditório o quarteto norueguês Cortex (na foto), parte integrante de uma geração que está a mudar a face do jazz no Norte da Europa, a milhas bem medidas do tão mencionado “som ECM”. Os Cortex operacionalizam um jazz de grande intensidade, assente em referências que tanto evocam a ligação de Ornette Coleman com Don Cherry, como a associação de Dave Douglas a John Zorn, na configuração original dos Masada. A esse lado energético aliam a melodia e a pulsação, num surpreendente equilíbrio entre potência e leveza. Os Cortex são Thomas Johansson (trompete), Kristoffer Berre Alberts (saxofone tenor), Ola Høyer (contrabaixo) e Dag Erik Knedal Andersen (bateria).

Na sexta-feira, 8 de julho, às 21h30, o contrabaixista Hugo Carvalhais (na foto) apresenta o excelente “Ascética”, com selo Clean Feed, álbum que surgiu após sete anos sem apresentar qualquer registo discográfico em nome próprio. Se no primeiro álbum, “Nebulosa” (2010), o músico portuense apresentava-nos o infinitamente grande, em “Partícula”, editado dois anos depois, focava o infinitamente pequeno. Entre estes dois extremos encontramos “Grand Valis”, de 2015. Em “Ascética”, mergulhamos nas profundezas da consciência, local imperscrutável onde se cruzam o belo, o misterioso, o assustador, o maravilhoso. Ou a música feita de luz e trevas. Com Carvalhais estarão Fábio Almeida no saxofone tenor e flauta, o lituano Liudas Mockunas no saxofone tenor, sopranino e clarinete, Gabriel Pinto no órgão Hammond, Fernando Rodrigues no órgão Hammond e sintetizador e João Martins na bateria.

Seguir-se-á, às 23h00, no Café-Concerto, o projeto Bill Shakespeare's Romeu and Joaoliet (na foto), com o saxofonista norte-americano Bill McHenry no saxofone tenor, e uma secção rítmica portuguesa, com Romeu Tristão no contrabaixo e João Lopes Pereira na bateria. A dado momento, McHenry partilhou com Tristão e Pereira a intenção de formar um trio de saxofone que abordasse a música segundo as coordenadas de um trio de piano, em especial os arranjos detalhados e uma atenção particular à componente rítmica. McHenry, residir entre Nova Iorque, Barcelona e o Maine, é um reconhecido líder de formações onde pontificam músicos como Andrew Cyrille, Eric Revis, Jamie Saft, Avishai Cohen, Ethan Iverson, só para citar alguns. Romeu Tristão (Ricardo Toscano Quarteto, Septeto do Hot Clube de Portugal, Palheta Jazz Trio, El Bulo Jazz Trio) e João Lopes Pereira (Centauri, Ricardo Toscano Quarteto, Kinetic, Practically Married, MA, Trio de Jazz de Loulé) estão entre os mais ativos músicos da cena jazzística lisboeta.

No sábado, às 21h30, será a vez da configuração Electric do OGRE, projeto da cantora Maria João (na foto), com João Farinha nos teclados e sintetizadores, André Nascimento na eletrónica e o alemão Silvan Strauss na bateria. Dedicar-se-ão a apresentar “Open Your Mouth”, álbum que assinala uma década de existência do grupo e a terceira incursão pelo mundo da eletrónica. Verdadeira força da natureza que não cessa de evoluir e de se transformar, misturando passado e futuro, o orgânico e o eletrónico, o sereno e o enérgico, Maria João é possuidora de uma capacidade vocal inconfundível e de uma intensidade interpretativa que lhe tem granjeado justíssimos encómios um pouco por todo o mundo. Maria João nunca dá o mesmo espetáculo duas vezes. Surpresas esperam-se, pois.

A fechar o evento, às 23h, no Café-Concerto, toca o singular projeto do guitarrista André B. Silva, “The Guit Kune Do”, cinco guitarras elétricas (o próprio, AP, Eurico Costa, Virxílio da Silva e Francisco Rua), mais baixo elétrico (João Próspero) e bateria (Diogo Silva). A partir desta geometria, e dos predicados dos músicos em presença, André B. Silva prossegue a sua busca por lógicas sonoras inusitadas e por trilhar campos menos explorados. Em “The Guit Kune Do”, verdadeira ode à guitarra, cruzam-se elementos do jazz, do funk, do hip-hop e do rock, seja nos riffs em delírio contagiante ou entregando-se a jogos contrapontísticos, num cômputo sonoro desafiante e inesperado. O primeiro álbum da formação viu a luz do dia no final de 2020, com chancela da Carimbo Porta-Jazz.

Motivos de sobra para uma ida a Portalegre.

Agenda

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11 Junho

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