18.º OUT.FEST – Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro
Música para gente curiosa
Há quem viva bem com a música que passa na Rádio Comercial. E há quem goste tanto de música que permanentemente procure propostas novas, interessantes, que estejam a tentar explorar novos caminhos. Quem gosta de procurar e não apenas de receber, vai ao Barreiro. Lá há gente que tem dúvidas e que ensaia respostas.
Há muito para ver e ouvir no OUT.FEST, um festival que existe pela e para a música, não para vender cerveja e telemóveis. A música experimental tem passado pela cidade operária há 18 edições e hoje, o evento é incontornável para quem gosta de música exploratória, sem fronteiras definidas e à procura de novos caminhos. Há muito para ouvir na edição de 2022, a Jazz.pt destaca alguns concertos mais próximos do jazz.
Logo no dia 6 de Outubro, segundo dia do festival que inaugura no feriado, nos Penicheiros às 21h30, vamos ouvir a flautista (compositora, poetisa) Nicole Mitchel. Nasceu em Nova Iorque mas foi na cidade de Chicago que desenvolveu o seu trabalho e se notabilizou na década de 90 do século passado. Foi a primeira mulher presidente da histórica AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians) depois de aparecer ao lado de Anthony Braxton e Rob Mazurek.
Assente numa sólida estrutura teórica, temperada com misticismo, política e ficção científica (com Octavia E. Butler como referência principal) a obra de Mitchell tem-se focado nas questões raciais, de género, tecnológicas e espirituais. Ao OUT virá a solo, com a sua flauta. Será uma oportunidade para a ouvirmos numa versão transparente.
Uma hora depois os ouvidos vão para a voz harmónio e sintetizador da nova-iorquina Amirtha Kidambi. Conhecemo-la no projeto “Code Girl” de Mary Halvorson e também no Contemporary Chaos Practices de Ingrid Laubrock.
Ao Barreiro vem em quarteto com um grupo novo, a bateria e eletrónica de Max Jaffe, o baixo de Nick Dunston e o saxofone soprano e Moog de Matt Nelson. Entre a música estruturada e a improvisação, será certamente uma noite espiritual numa perspetiva de futuro.
No dia 7, a noite começa com David Toop. É as 18h30 na Biblioteca Municipal. Autor de referência sobre o cruzamento e miscigenação do rock, eletrónica, jazz e música contemporânea, Toop tornou-se mundialmente conhecido com o lançamento do livro “Ocean Of Sound”; contudo a sua obra como autor, editor e músico passa muito para além desta obra fundamental. De algum modo, David Toop pode representar também o espírito do OUT.FEST, um evento avesso a fronteiras e a gavetas, que valoriza as fronteiras, bermas e interseções. Um concerto onde as eletrónicas e os instrumentos traficados marcarão presença.
À noite vamos até à ADAO para ouvir e ver o violino e viola de Maria da Rocha a ser provocado pelos drones e noise do barreirense Pedro Roque. Para além da música poderemos contar com uma intervenção visual num espetáculo que se antecipa tão imagético como sonoro.
Às 23h é tempo de apurar os ouvidos para a pianista e compositora Eve Risser. Admiramos profundamente o seu trabalho, não só a solo – verdadeiramente notável – como orquestral. Mas foi a solo, no “Des Pas sur la Neige” (Clean Feed) que mais nos impressionou pois abriu sons e processos novos no piano quando isso já parecia impossível. Por isso, se é para só ir a um concerto, escolheria este.
Já na noite do dia 8, também na ADAO é tempo de ir ouvir o venturoso encontro do baterista e percussionista João Pais Filipe com o arsenal eletrónico de Burnt Friedman. Um encontro patrocinado pelo Out.Fest em 2018 e que já se materializou em gravação e disco com o primeiro tomo de “Automatic Writing”, sub-titulado de “Mechanics of Waving”. Neste duo o ritmo é a matéria prima principal e elevação do espírito que a repetição é capaz de produzir é o processo. Cruza-se o jazz com o dub e outras legados electrónicos numa dedicação séria e sapiente à causa da batida.