Mário Laginha
Trio à portuguesa
O pianista apresentou no passado dia 18 de setembro o seu novo trio com guitarra portuguesa. Está aberto mais um capítulo na história de um músico que gosta de fundir e surpreender.
Vem de trás a propensão de Mário Laginha para explorar os recantos de um universo contaminado, desafiando fronteiras estéticas e operando miscigenações referenciais.
Com o seu novo trio – estreado na passada quarta-feira à noite no Grande Auditório da Culturgest, em Lisboa –, o pianista arrisca apostar numa inusitada instrumentação: prescinde da bateria e substitui-a por um outro cordofone, a guitarra portuguesa, motivo de longeva admiração e desejo de exploração das suas potencialidades fora dos algo exíguos limites do fado.
Quem se deslocou à sala da Av. João XXI – quase lotada – para ouvir uma mistura de jazz e fado decerto que saiu de lá defraudado. Não foi, de todo, isso que se escutou, apesar de Laginha ter, a dado momento, apresentado uma das composições como sendo «uma espécie de fado».
Claro que basta a visão do periforme instrumento para que as sinapses se encaminhem nesse sentido, mas as composições apresentadas pelo trio – todas originais e recentes, de tal forma que muitas delas apenas ainda têm um título de trabalho – vão bastante além da tradição fadista, porém eivadas de uma portugalidade evidente.
Se Laginha e o contrabaixista Bernardo Moreira (outro apaixonado pela guitarra portuguesa – recorde-se o seu tributo a Carlos Paredes em “Ao Paredes Confesso”) são velhos comparsas, a ligação ao guitarrista Miguel Amaral remonta há apenas quatro anos, quando o pianista o descobriu e se encantou pela sua sonoridade.
Dois mais um
Os registos do piano e da guitarra portuguesa não serão os mais fáceis de compatibilizar de forma artisticamente relevante, tendo a formação soado, pelo menos a espaços, como se se tratasse de um “dois mais um”, com Amaral a buscar o seu espaço em torno do eixo central Laginha-Moreira.
Como era de esperar, a tão característica fluidez melódica do líder prevaleceu em (quase) todo o concerto. O contrabaixista foi o esteio do costume, transmitindo segurança e musicalidade e entendendo-se de olhos fechados com Mário Laginha.
Amaral revelou o seu virtuosismo contido, embora tivesse gostado de o ver sair mais vezes da sombra, como aconteceu em “Fuga para um Dia de Sol” (curiosamente, ou talvez não, uma composição de sua autoria), no lindíssimo “Enquanto Precisares” e em “O Recreio do João”, irrequieto como, soubemo-lo, o filho mais novo do pianista.
Um concerto que deixou pistas para o futuro – foi, afinal de contas, o primeiro capítulo –, tendo, porém, ficado no ar a ideia de que, sem ser revolucionário, este é um processo em curso, que naturalmente evoluirá e terá, espera-se que até ao final deste ano, concretização discográfica.