Eduardo Raon
Enxame de abelhas
Foi de forma muito original, e com projecções vídeo, que o harpista apresentou no Maria Matos, em Lisboa, o seu disco a solo sobre insectos e acções impulsivas. Houve zumbidos e até picadas (leia-se: surpresas).
A harpa tem sido um instrumento raro, em qualquer género musical. Na última década, numa meritória excepção, Joanna Newsom apresentou o instrumento a um público generalista, com o seu indie-folk transversal. No jazz, salvam-se os exemplos de Dorothy Ashby e Alice Coltrane, e na música improvisada destacaram-se Zeena Parkins, Rhodri Davies e Hélène Breschand. Em Portugal, tem-se notabilizado a harpista Angelica Salvi (ainda que oriunda de Espanha). Contudo, continuam sendo raros os exemplos.
Eduardo Raon é, assim, um músico muito peculiar, inclusive por atravessar géneros - do jazz à livre-improvisação, passando pelo pop-rock – em projectos tão diversos quanto Powertrio, Bypass, Hipnótica ou Maria João & Mário Laginha.
O mote para o concerto do passado dia 12 de Novembro foi o lançamento de "The Drive for Impulsive Actions", trabalho a solo editado na “label” Shhpuma, subsidiária da Clean Feed. No palco do Teatro Maria Matos (com bancada adaptada, para lotação mais reduzida), Eduardo Raon começou por apresentar-se sozinho. Como companhia tinha apenas a harpa, dispositivos electrónicos e vários objectos - entre eles um estranho instrumento inventado por Hans Reichel, o “daxofone”.
Servindo-se sobretudo da harpa, Raon criou diversos ambientes sonoros, alternando entre um dedilhar obsessivo (produzindo cascatas de notas), com alguns momentos abrasivos (de enorme intensidade enérgica), e uma entrega de maior subtileza e delicadeza melódica.
Tratou-se de um espectáculo “intermedia”, pelo que em paralelo com a música assistiu-se a uma projecção vídeo, também da autoria de Raon - alternando textos (frases, diálogos) marcados pelo humor com animação visual.
Riso, suspiro e bocejo
O concerto foi seguindo uma articulação lógica (a mesma do disco). Partindo de um fascínio sobre os insectos e os seus comportamentos, este projecto inclui episódios sobre o riso, o suspiro e o bocejo. E há ainda espaço para o “Episódio Rua Conde Almoster”: há alguns anos, na referida rua de Lisboa, dois condutores envolveram-se numa discussão por uma questão de trânsito. Um deles pegou numa arma de fogo e disparou sobre o outro condutor.
Partindo destas premissas, a música de Raon propõe-se como uma metáfora, atravessando desde os comportamentos típicos até aos mais absurdos - a tal força para as acções impulsivas referidas pelo título do álbum. Assim, se por vezes a estrutura da música é a mais lógica e previsível, em outras ocasiões os caminhos seguidos surpreendem.
Nesta apresentação ao vivo, o dedilhar de Raon foi seguindo a lógica do argumento, numa contínua lógica de tensão-distensão. Numa fase mais adiantada do concerto entrou em cena José Salgueiro, munido de um “kit” de bateria reduzido, acrescentando a sua percussão (quase marcial) à harpa, numa parceria rítmica impecável.
Embrulhado num completíssimo embrulho conceptual, Raon conseguiu apresentar um dos mais originais e personalizados espectáculos que passaram pelos nossos palcos nos últimos anos.