Festival Porta-Jazz
Vivo e de boa saúde
Na sua quarta edição, o evento organizado pela Associação Porta-Jazz comprovou que o jazz da cidade do Porto está consolidado.
Gostaria de começar por destacar o seguinte: este texto não é uma crítica ao Festival Porta-Jazz, pois não exerço essa actividade, nem foi esse o objectivo a que me propus ao escrever estas linhas. Trata-se, portanto, de algumas notas soltas sobre este evento realizado na sala Passos Manuel, entre os dias 7 e 8 de Dezembro de 2013.
Apesar da “crise”, na quarta edição do Festival Porta-Jazz realizaram-se cinco concertos diários (tarde e noite), contando com cerca de cinco dezenas de músicos, nacionais e estrangeiros em palco. Por dois dias consecutivos o Passos Manuel ficou “lotado”, sinal evidente de que na capital nortenha o «jazz está vivo e goza de muito boa saúde!».
Contudo, com início marcado para as 16h30, os concertos arrancaram com a sala ainda muito vazia, levando-me a questionar por onde andariam os muitos alunos dos cursos de música no Norte do País. Este festival deveria ser de “frequência obrigatória” para todos os jovens aspirantes a músicos de jazz (e não só), na região! O certo é que a imprensa escrita pouco ou nada falou sobre a iniciativa.
A zona superior da coluna vertebral
O Festival Porta-Jazz abriu o primeiro dia com a apresentação do recente trabalho editado pelo Miguel Ângelo Quarteto, “Branco” (Porta-Jazz, 2013). Ao líder, no contrabaixo, juntaram-se Marcos Cavaleiro (apresentado como um «domador de feras») na bateria, João Guimarães («incrível mágico») no saxofone alto e Joaquim Rodrigues («trapezista da bicicleta») no piano e no Fender Rhodes. Ao longo de quase uma hora foram revisitadas muitas das composições originais de Ângelo, tais como “Cem”, “Maior”, “Carnaval”, “TraMal”. O concerto encerrou com a composição “Branco”, que dá nome ao disco.
Após alguns minutos de intervalo, e já com um pouco mais de público, arrancou a apresentação dos Bouncelab. Deste projecto liderado por Mané Fernandes (guitarra, composição) fez parte João Mortágua (saxofones alto e soprano), Gonçalo Moreira (piano), João Paulo Rosado (contrabaixo), e José Marrucho (bateria). O concerto iniciou-se com uma versão de um clássico de John Coltrane, “26-2”, continuando depois com várias composições de Fernandes que, com Gonçalo Moreira e João Mortágua, soberbamente sustentados pela dupla Rosado-Marrucho, conseguiram estimular a «zona superior da coluna vertebral dos seus ouvintes». A promessa que circulava nas folhas de sala foi cumprida, na minha opinião. O concerto terminou primeiro com “Debug” e, depois, com um enérgico “Cycle Stella Episod”, inspirado no conhecido “standard” de jazz.
A última actuação da tarde contou com a única formação só de músicos estrangeiros neste festival, o GDJazz 5tet. Liderada pelo trompetista e compositor espanhol Javier Pereiro, a formação integrou o saxofonista italiano Rossolino Marinello (saxofone tenor), o guitarrista francês Wilfried Wilde e a dupla espanhola formada pelo jovem Max Gómez (bateria) e pelo conceituado contrabaixista galego Paco Charlin. Os temas apresentados, provavelmente da autoria de Javier Pereiro (não foram anunciados) resultaram numa sonoridade muito próxima do hard bop, demasiada contrastante em relação ao projecto anterior.
Estão muitos, afinal
O primeiro concerto da noite foi aberto por Susana Santos Silva com um “bem-vindos” ao Porta-Jazz, apresentando de imediato os “excelentíssimos” músicos que iriam dar início ao serão. Tratava-se de um novo projecto do reconhecido pianista nortenho Paulo Gomes, North Carolina – Perafita Connection, dedicado às composições de Thelonious Monk. A sala tornou-se pequena para o público presente, o que levou Paulo Gomes a comentar, em tom de brincadeira, «estão muitos, afinal». Com ele tocaram Nuno Campos (contrabaixo) e Leandro Leonet (bateria), que ao longo de uma hora revisitaram diversos temas de Monk em trio. Depois, um momento de Paulo Gomes a solo com interpretações suas de baladas de Monk, fazendo soar as linhas melódicas escondidas de “Round Midnight”. No final, Gomes fez questão de agradecer à Associação Porta-Jazz pela organização de mais uma edição deste «festival espectacular».
A derradeira subida ao palco da primeira noite esteve a cargo do Coreto Porta-Jazz, apresentando temas de vários compositores e músicos da Porta-Jazz. Tocaram João Pedro Brandão (saxofone alto e flauta), José Pedro Coelho (saxofone tenor), Hugo Ciríaco (saxofone tenor), Rui Teixeira (saxofone barítono), Ricardo Formoso (trompete), Susana Santos Silva (trompete), Daniel Dias (trombone), Paulo Perfeito (trombone), Hugo Raro (piano), António Pedro Neves (guitarra), José Carlos Barbosa (contrabaixo) e José Marrucho (bateria). A primeira peça interpretada foi da autoria de António Torres Pinto, «sem nome», conforme o compositor, presente na plateia, assim me confirmou, seguindo-se um tema de Brandão, “Not Free Enough”. A actuação terminou com uma suite de António Pedro Neves, “Terra”. Este grupo residente da associação Porta-Jazz demonstrou bem o dinamismo que envolve esta associação no que diz respeito à criação artística no domínio do jazz para “large ensemble”.
Dedicado a Nelson Mandela
O segundo dia de festival começou com mais público no Passos Manuel, para assistir à “estreia mundial” do projecto “Out of Trees” de Susana Santos Silva (trompete) com o sueco Torbjörn Zetterberg (contrabaixo) e os portugueses João Guimarães (saxofone alto) e Marcos Cavaleiro (bateria). O primeiro tema, da autoria do contrabaixista sueco, foi dedicado a Nelson Mandela, seguindo-se outras composições originais do projecto. Foi constante a tentativa de romper com alguns convencionalismos e promover algum experimentalismo, em busca de novas sonoridades.
Depois, vez para outra “big band”, desta feita um octeto, o Ensemble Super Moderne, com peças escritas para esta formação por Rui Teixeira, José Pedro Coelho, João Guimarães e Paulo Perfeito. Tal como Carlos Azevedo referiu, tratou-se de mais uma aposta visando estimular a composição para este tipo de formações. Esta contou com João Guimarães (saxofones alto e soprano), José Pedro Coelho (saxofones tenor e soprano e clarinete), Rui Teixeira (saxofone barítono e clarinete baixo), Paulo Perfeito (trombone), Eurico Costa (guitarra), Carlos Azevedo (piano), Miguel Ângelo (contrabaixo e baixo eléctrico) e Mário Costa (bateria). Mais uma vez, e tal como no primeiro dia, ficou demonstrada a qualidade do trabalho desenvolvido pela Porta-Jazz na promoção do jazz na capital nortenha.
O último concerto da tarde foi a estreia no Porto do novo trabalho discográfico, “Nuvem”, do conceituado saxofonista Mário Santos. Tal como no CD, estiveram envolvidos José Miguel Moreira (guitarras), António Augusto Aguiar (contrabaixo) e Marcos Cavaleiro (bateria). Este quarteto demonstrou uma cumplicidade muito grande entre os seus membros, numa prestação notável que conseguiu não quebrar com o ambiente deixado pelo projecto anterior. Antes de terminar, Santos não deixou de assinalar o importante papel que tem vindo a desenvolver a Associação Porta-Jazz com um «Porta-abraço, obrigado por estarem aí», despedindo-se com o seu “Hino”.
Janela de oportunidades
A segunda noite iniciou-se com o Jeff Davis / Marc Miralta Group. Este projecto liderado por Davis (vibrafone) e Miralta (bateria), aos quais se juntaram André Santos (guitarra) e Demian Cabaud (contrabaixo), surgiu a partir de uma colaboração entre os dois homens das baquetas na cidade de Barcelona, em Outubro passado. O repertório foi composto por temas originais de Davis e Miralta, tendo o concerto terminado com uma composição do baterista espanhol.
Para o fecho do festival foi convidada a Orquestra Jazz de Matosinhos, uma das formações de jazz mais emblemáticas do País e reconhecidas internacionalmente. Para a OJM foi mais uma noite especial, com a estreia de várias composições dos músicos residentes. A primeira peça (“Vanishing Point”), da autoria de Rui Teixeira, contou com um convidado especial, o guitarrista português Vasco Agostinho, tendo ficado o saxofone barítono a cargo de João Guimarães. Seguiu-se “Trânsito”, do saxofonista João Pedro Brandão, “Solstício” de Rogério Ribeiro, “Big and Bag” de João Guimarães, “Hora de Ponta” de Andreia Santos e outras partiruras de músicos presentes e convidados. No final, um agradecimento da direcção da OJM à organização («a Porta-Jazz é uma janela de oportunidades»).
A todos os envolvidos neste 4º Festival Porta-Jazz, começando pelos seus directores, Susana Santos Silva, João Pedro Brandão e Eurico Costa, os meus parabéns pela mostra de vitalidade deste grande festival de jazz. Obviamente que isto não aparece do nada – pelo contrário, reflecte, directa ou indirectamente, o que de melhor se tem vindo a fazer em termos de ensino do jazz no Norte do País, tendo como consequência directa o desenvolvimento de uma cena jazzística portuense ao mais alto nível.
Falta apenas, agora, chamar a atenção dos meios de comunicação ao nível nacional para este acontecimento. Em 2011, António Curvelo deu um murro na mesa dizendo «basta» contra o “estado de coisas” em que o jazz (sobre)vivia na comunicação social e contra o silêncio generalizado deste meio “especializado” em torno deste grande evento do jazz nacional. Ao fim de dois anos, porque será que continua tudo na mesma?
Uma nota final para os “after hours”, pois ao longo dos dois dias de festival realizaram-se "jam sessions" com entrada gratuita no edifício AXA - Café Concerto -, a nova residência da Porta-Jazz.