Lokomotiv, 21 de Setembro de 2014

Lokomotiv

A locomotiva em andamento a prometer mais voltagem

texto Tiago Varela fotografia Hervé Hette

O trio de Carlos Barretto voltou à Culturgest para uma actuação que voltou a evidenciar a mestria dos músicos que o constituem, mas com um défice de comunicação. 

Não houve grandes novidades na passagem dos Lokomotiv pelo Pequeno Auditório da Culturgest na passada noite de 16 de Setembro. Os seguidores do trio liderado por Carlos Barretto puderam reconhecer a maioria dos temas que se foram ouvindo, executados, de resto, sem grandes alterações às respectivas estruturas já conhecidas dos registos discográficos. Excepção feita a “Dádiva da Dúvida”, que apareceu pela primeira vez há dois anos com o nome provisório de “Futuro” e que agora voltou consolidado no trabalho dos efeitos e na procura de uma estética electrónica e electrizante mais profícua.

O presente dos Lokomotiv encontra-se ancorado nos três últimos CDs, é certo, mas ainda assim este concerto, sobretudo pela escolha do alinhamento, que juntou os temas mais marcados pela energia e pela estética do rock e excluiu as canções e as baladas, deixou-nos uma imagem com contornos definidos que poderão preconizar, quiçá, novas linhas para a locomotiva.

O concerto começou com “Espirito da Solidão”, um solo belíssimo, inventivo e rítmico, a transfigurar o contrabaixo em virtuosismo de instrumentos de percussão, num prelúdio ao primeiro tema da noite: “Lokomotiv”. Havendo um trio, um CD e um tema homónimos, o Lokomotiv tema aparece a funcionar como cartão-de-visita, na apresentação de uma música que deixa ficar clara a intenção de se repartirem as tarefas equitativamente pelos elementos do trio, mesmo nos momentos mais livres, evitando-se a tradição (e a tentação) jazzística de repartição de solos e acompanhamentos em sucessão.

A segunda peça ditou o trajecto do concerto numa toada rock a levar-nos nitidamente para o imaginário (que se nos aparece sempre actual) de “Bitches Brew”: compasso binário, batida crua de aparência elementar, sons de electrónica em “loop”, contrabaixo persistente como base para uma guitarra livre e inventiva a explorar bem, entre outros, o “crying baby”.

Falta de peso

Mário Delgado

José Salgueiro

Tivemos então o primeiro sinal de falta de potência no sistema de amplificação do contrabaixo, sobretudo nos momentos mais pesados, com a introdução da electroacústica via pedal a dobrar cada nota à oitava: a intenção estava lá, mas os subgraves não se fizeram sentir. Uma questão técnica pode comprometer uma ideia e este concerto acusou, nos momentos mais eléctricos e enérgicos, uma falta de “peso” do contrabaixo.

“Ponto e vírgula”, o terceiro tema da noite, resumiu-se a quatro explosões inesperadas que separaram três momentos de improvisação subtil e conjunta: no primeiro, a palavra principal coube à guitarra; no segundo, foi o contrabaixo a usar novamente os meios electroacústicos e também a recorrer ao “wah-wah”; no terceiro, a bateria encaminhou o momento mais free do concerto num entrosamento de belo efeito.

Seguiu-se “Casa Branca”, composição mais enraizada nas complexidades rítmicas do jazz, estruturada em divisões que são sempre muito bem exploradas na escrita de Carlos Barretto. A secção rítmica abriu uma estrada enorme para que a guitarra de Mário Delgado assumisse a palavra por inteiro, começando numa toada mais clássica e acabando de forma abstracta e comedida para enaltecer a riqueza do andamento de “Triklo Five”. Nada de confusões com “Take Five”, até porque contámos sete batidas na divisão dos compassos. É mais uma peça que caracteriza a estética trabalhada pelo trio nos últimos anos e que, no concerto, foi cumprida com mestria, mas sem atingir os níveis comunicativos de concertos precedentes.

Depois do “tema do futuro no presente” de que já falámos houve um “intermezzo” em solopictórico”de contrabaixo: as “Deambulações IV”parecem resultar sempre bem em concerto e os efeitos electroacústicos de “delay” surgiram manipulados com peso e medida, a transportarem-nos para breves momentos das longas improvisações em espiral de Terry Riley.

A actuação estava na recta final e Carlos Barretto fez uma pausa para deixar o “Homem do Lixo” em duo: o rapaz cresceu, fez-se homem e a história foi-nos contada em diálogos de bateria e guitarra (novamente repleta de efeitos) para um particular e bem conseguido momento de música narrativa. A energia iria continuar no último momento: “Labirintos” a abrir, novamente o recurso à divisão binária, desta vez pesada, a remeter-nos para uma inspiração mais metaleira (uma ousadia com riscos assumidos) e por zonas bem distantes do jazz e pouco usuais na fusão com este. Mais uma vez faltaram na sala as frequências mais graves do contrabaixo ao usar os efeitos...

A música do Lokomotiv vive de uma dinâmica marcadamente expressionista, de emoções fortes criadas por formas que são facilmente apropriadas e que necessitam de uma execução inspirada e intensa para que esse ímpeto de expressão resulte verdadeiramente. É uma música que parece enraizada nas “jam sessions” bem sucedidas em que tudo acaba por acontecer num arrepio emocional de entendimentos perfeitos e empatias rasgantes, transversais e envolventes, de onde ninguém sai indiferente. Mas nem sempre é possível que tal aconteça e é quase sempre inglória a tentativa de justificar os motivos, em grande parte subjectivos e muitas vezes escondidos.

A mestria foi constante e houve momentos belos e intenções definidas, mas ficou a sensação de ter faltado essa tal energia das emoções contagiantes de que resulta, por exemplo, o pedido de “encores”. Teremos visto um José Salgueiro menos endiabrado e divertido nas suas conversas interiores com os colegas? Ou um Mário Delgado que não parou, a acusar talvez um alinhamento repleto de peças a requererem níveis altos de energia e de concentração, com o uso dos efeitos em mutação constante?  O capitão do trio podia efectivamente ter tido mas peso no som para incutir ainda mais energia?

Perguntas sem grande necessidade de resposta. No final de contas, assistimos a mais um bom concerto a somar ao rol infindável do trio que pôs novamente a locomotiva em andamento e a prometer mais voltagem para as próximas viagens.

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09 Junho

Mané Fernandes “Matriz Motriz”

Parque Central da Maia - Maia

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