Festival de Jazz e Música Improvisada da Parede
Fez-se história
A Parede (linha de Cascais) entrou finalmente no circuito dos festivais, com um evento que recebeu a total adesão do público e deu a ouvir excelente música naquele que parece ser o novo “spot” do distrito de Lisboa – a SMUP-Sociedade Musical União Paredense…
Surgiu na linha de Cascais um novo evento, o Festival de Jazz e Música Improvisada da Parede. Por iniciativa da associação Cultura no Muro, com curadoria de Rui Eduardo Paes, esta nova aposta levou muita música ao renovado edifício da SMUP - Sociedade Musical União Paredense, tudo indicando que esta se está a constituir como um importante pólo cultural.
Eitr
Na primeira noite apresentaram-se a dupla Eitr (Pedro Sousa e Pedro Lopes) e o novo trio Rodrigo Amado / Miguel Mira / João Lencastre. Esta foi uma ocasião rara para assistir a uma actuação do duo, uma vez que Pedro Lopes se encontra actualmente a residir em Berlim. Com o seu gira-discos (preparado), Lopes trabalhou um som sujo, que era complementado com o contributo de Sousa, primeiro no saxofone barítono (com toda a gravidade, sobretudo num registo morno), mas também nos efeitos electrónicos.
A dupla revelou o seu som estranho, difícil de catalogar, que já tinha ficado registado no vinil “Trees Have Cancer Too” (Mazagran, 2013). Resultante da combinação do “turntablismo” desconstrutivo de Lopes com o saxofone e o teclado de Sousa, este foi um concerto intenso e enérgico, que só pecou pela curta duração (menos de 30 minutos).
Rodrigo Amado / Miguel Mira / João Lencastre
Depois do intervalo, o festival acolheu, em estreia mundial, mais uma formação portuguesa conduzida por Rodrigo Amado (a quarta, depois do Motion Trio, do Wire Quartet e do Hurricane). Apesar de neste grupo também constar o violoncelista Miguel Mira, é diferente do Motion Trio. A principal curiosidade passava por ver como funcionaria a bateria de Lencastre numa aliança com a conhecida articulação de Amado e Mira.
Rodrigo Amado serviu-se exclusivamente do saxofone alto (ocasião rara) para disparar um discurso inventivo. Mira, como habitualmente, fez com o violoncelo o papel de contrabaixo, muito interventivo e dialogante. Na bateria, João Lencastre desenvolveu um trabalho metódico, acrescentando uma maior tonalidade jazzística, explorando com os parceiros do trio diferentes ambientes e texturas, contribuindo para pincelar com novas cores a música de Amado e Mira. O resultado foi positivo e deixa-nos muito curiosos relativamente ao futuro desta debutante formação. A primeira noite fechou com o DJ set de Pedro Costa (das editoras Clean Feed e Shhpuma), balançando entre o jazz e o rock.
Paulo Chagas / Fernando Simões / Pedro Santo
A segunda sessão do Festival de Jazz e Música Improvisada da Parede abriu com a actuação de Paulo Chagas, Fernando Simões e Pedro Santo. Embora tenha estado inicialmente prevista a realização de um “workshop” durante o dia (com os participantes a integrarem a parte final do concerto da noite), uma vez que este não se realizou, por falta de inscritos suficientes, a actuação acabou por ser da exclusiva responsabilidade do trio.
Entre o sax alto e o clarinete sopranino, Chagas assumiu desde logo uma intervenção incendiária, bem complementada pelo fogo do trombone de Simões. Na bateria, Santo não só acompanhou e complementou a energia dos sopros, como forneceu pistas para outras direcções (utilizando também alguma electrónica). Muito comunicante, o trio deixou boas impressões.
David Maranha / Gabriel Ferrandini
O fecho com a dupla David Maranha / Gabriel Ferrandini levou a uma reconfiguração da sala, com os músicos ao centro, rodeados pelo público a toda a volta. Na sequência do disco “A Fonte de Aretusa” (edição Mazagran, de 2011), do órgão de Maranha saiu um som negro, cheio de grão, e a bateria de Ferrandini abdicou da sua versatilidade habitual para ficar concentrada numa alta tensão rítmica regular, cimentando a obscuridade crescente.
A iniciativa fechou com o DJ set de DJ Noise, pseudónimo gira-disquista do programador Rui Eduardo Paes, que fez jus ao nome adoptado, distribuindo doses massivas de “noise” – nas suas mais diversas formas sonoras - ao incauto público resistente.
O público compareceu e a música cumpriu as expectativas. Ficou no ar o desejo de se ir a mais concertos na SMUP, um novo espaço aberto ao jazz e às músicas improvisadas no distrito de Lisboa. E, dado o sucesso da iniciativa, ficou também a vontade de que o Festival de Jazz e Música Improvisada da Parede tenha continuidade e viva em 2015 a sua segunda edição.