Alexandra Grimal / Giovanni Di Domenico
Avião parado na pista
Sim, o que a saxofonista francesa e o pianista italiano tocaram em duo na Culturgest, no passado dia 16 de Janeiro, foi jazz. Mas a música não descolou, ou não descolou este que se assina.
Um concerto nunca é só o concerto. A percepção de um espectáculo é condicionada por uma série de factores externos e o trabalho criativo desenvolvido ao longo de vários anos pelos músicos pode esbarrar injustamente em barreiras que lhes são completamente alheias.
Se na noite anterior tivermos assistido a um fenomenal concerto num local não menos incrível (Norberto Lobo na Igreja de São Jorge dos Ingleses), estando ainda sob o efeito dessa experiência quase transcendente, a percepção de assistir a um outra actuação ao vivo estará certamente condicionada. A situação piora ainda se, ainda que chegados atempadamente ao concerto, nos deparamos com uma fila enorme para levantar o bilhete, uma fila gigante que nos atrasa a entrada no Pequeno Auditório da Culturgest. Quando finalmente nos sentamos, já o concerto começou há um bom bocado (nada contra as simpaticíssimas pessoas da bilheteira, que fazem um excelente trabalho, que nos conhecem há vários anos e nos dão o supremo luxo de nos tratarem pelo nome próprio).
Quando nos sentamos, dizia, já o concerto entrara na segunda peça. Demoramos a instalar-nos no lugar, a entrar no espírito. Apenas ao terceiro tema conseguimos ouvir a música tranquilamente. No palco estão Giovanni Di Domenico, ao piano, ao lado esquerdo, e Alexandra Grimal, no saxofone soprano, ao lado direito. A dupla aborda temas curtos, temas que, pela abordagem contida, soam a uma linguagem convencional. Assente em composições sólidas, a música da dupla é marcada por um diálogo contínuo, por momentos de perfeita ligação (e muitos uníssonos) intercalados com momentos de desafio e confronto.
Integrado no ciclo “Isto é Jazz?”, promovido por Pedro Costa (Clean Feed), este concerto voltou a lançar-nos a tal pergunta recorrente. Desta vez a resposta é mais natural: sim. Havia improvisação, havia composições estáveis, havia interacção, havia elementos recorrentes da linguagem jazz. Isto era jazz. Bom jazz, até. Infelizmente, a música da dupla italiana nunca chegou a descolar. Ou talvez tenha sido apenas a nossa percepção, condicionada por factores externos.