Nova Orquestra Futurista do Porto
Laboratório sonoro
Numa paragem do caminho que os haveria de levar ao festival Rescaldo no dia seguinte, a Nova Orquestra Futurista do Porto (NOFP) passou pelo Salão Brazil, em Coimbra, no passado dia 19 de Fevereiro. Passou é maneira de dizer: tomou de assalto o espaço do Jazz ao Centro Clube, numa parceria com a Prisma.
Apresentada publicamente pela primeira vez a 15 de Março de 2014, a NOFP surge a propósito do centenário do “The Art of Noises” de Luigi Russolo: um dos vários manifestos de inspiração futurista, escrito em formato de carta a 11 de Março de 1913, no seio de uma Europa que nesse início de século é um importante teatro de operações do imperialismo que se vinha formando (traduzindo-se em pouco tempo na Primeira Guerra Mundial e no surgimento do Fascismo italiano) e cuja contribuição foi certamente de enorme importância para o posterior aprofundamento da exploração electroacústica e electrónica que atravessou todo o século XX.
Os seus 11 membros - Alberto Lopes, Angélica Salvi, Filipe Silva, Henrique Fernandes (o maestro), Gustavo Costa, João Ricardo, Luís Bittencourt, Maria Mónica, Miguel Pipa, Rodrigo Cardoso e Sara Gomes - originários de uma cena artística portuense vagamente definida como experimental, mas certamente vibrante e desafiante (terei lido algures <<segunda cidade do país>>?), encontraram nesse documento de inegável relevância na História da Arte linhas de investigação (que são assim propulsoras) da exploração das potencialidades da linguagem sonora e seus dialectos. Tomaram de assalto o salão do Salão Brazil.
Aplicando e actualizando a ideia de Russolo – toda uma orquestra de novos sons produzidos pelos Intonarumori (geradores de barulho, como o nome indica) – aos meios que hoje conhecemos, a NOFP coloca em uso uma série de ferramentas por si construídas/manipuladas: motores eléctricos, rádios, “laptops” acústicos, frascos de água com hidrofones, cones de papel, consola de jogos Atari, captação e manipulação de vídeo em tempo real e outros. Articula-se esta nova orquestra com um entranhamento cuidadosamente faseado no espaço, sem posições fixas, transportando emissores de ruído e inquietando subtilmente o público. Orquestra não apenas o som, mas a presença em palco e fora dele.
O Salão passou de espaço estranhamente habitado a complexo industrial/laboratorial. Os músicos moveram-se de mesa em mesa extraindo sons de carácter industrial e acompanhando as coordenadas projectadas em vídeo, definidas pelo posicionamento de um alfinete. Da mesma forma que anunciavam a sua presença em sopro, como se do início de um ritual se tratasse, terminavam com um coro de assobios que quase estilhaçava os ouvidos.
Segundo dizem, precedeu esta mini-digressão (Coimbra, Lisboa, Guarda, El Bodón) um acontecimento digno de ombrear com qualquer lenda. A razão que fixava os seus destinos na localidade do município de Salamanca não era de somenos. Em Abril de 2014, decidiram que o primeiro lançamento da NOFP deveria ser de/com um punhado de balões para os ares do Porto, devidamente iluminados para desbravar caminho pelo espaço que também é dos radares e aviões. Em cada um deles, uma fita magnética e instruções para a sua reprodução, que nada mais “devolveria” senão um código para fazer o “download” de sabe-se lá o quê.
Mesmo assumindo que algo estava de facto à espera “online”, é empreendimento de efeito duvidoso pela notável junção entre acaso e cripticismo. Via reclamação ou inquietação, o facto é que houve comunicação: resultou. E se isto só por si já cheira a impossível, o que dizer da coincidência de o balão sobrevivente perder o gás em terras que assumem significado de teor familiar para um dos membros da NOFP?
Um concerto (?) deste valor perdurará certamente na memória. Ficamos a aguardar impacientemente pelo próximo lançamento.